segunda-feira, 29 de maio de 2006

Asas


Cortaste-me as asas.
Quebraste-me os sonhos.

quarta-feira, 24 de maio de 2006

(curta) Distância


Sei que andas por aí, por Lisboa... O meu coração palpita por te imaginar perto, mais perto, mas depois tudo me lembra que temos que estar longe, e subitamente o dia de sol parece-me festivo demais para a tristeza que sinto cá dentro... Fecho todas as janelas da casa e espero que a escuridão apague os teus traços da minha memória, mas não... Estás aqui... Estás cá dentro, no sítio mais difícil de desocupar...

Sei que andas por aí, por Lisboa... E eu ando também...
E buscando-te, não te procuro... E fugindo, não te esqueço...
Pedro Rapoula, in 'Iniciação à Tristeza'

terça-feira, 23 de maio de 2006

Fogo



Ardo em desespero. Queima-me a solidão. Levanto os olhos para o vazio e, é já sem sentimentos, que sinto o meu coração parar .

segunda-feira, 22 de maio de 2006

Quem


"- Quem é que tu amas? - continuou Murphy.
- Eu, tal como sou. Podes desejar o que não existe, não podes amá-lo. (...)
- Se assim é, por que diabo te esforças tanto para me modificar?
- Para poderes deixar de me amar - aqui, a voz subiu e atingiu uma nota bastante honrosa - para deixares de estar condenada a amar-me, para seres dispensada de me amar."
Samuel Beckett, in 'Murphy'

Queres amar a vida e não te deixam.


"Queres amar a vida e não te deixam. Tens de respirar o ódio, o insulto, o bafo azedo do vexame e isso faz-te mal. Emanações de um pântano de febres, de esgotos a céu aberto com o seu fedor de vómito. Um dos tormentos do inferno medievo era esse, o fedor - a essência da podridão. E o que te fazem respirar de uma flor, do aroma de existires? Porque é que o ódio é assim fundamental para os teus parceiros em humanidade existirem? Têm uma estrutura diferente de serem, Deus fabricou-os num momento de mau génio. Vale a pena irritares-te contra a existência da víbora ou do touro? "
Vergílio Ferreira, in 'Escrever'

sexta-feira, 19 de maio de 2006

Aceitação


Faço um esforço para acreditar que não partiste, que te pertenço, que me pertences e para nós não existe tempo nem espaço. Nós somos o tempo e o espaço, a noite e o dia, o longe e o perto. Não no sentido antagónico das verdades mas na verdade complementar dos sentidos: viver em nós, morrer em mim. Olho em volta, mais uma vez, e a tua ausência subitamente não faz sentido porque te amo, porque me amas e porque é em ti que me preencho. Sinto o teu cheiro em mim e vejo o teu corpo no meu. Porque é aí que existes, na procura que fazemos um do outro. Em qualquer outra noite sei que estendo o braço e no teu lado frio da cama descubro o corpo quente e familiar que me completa e me acalma.
Chamo por ti e o teu nome enche o espaço como se o ar não existisse no deserto da tua presença. E sei que respondes com o sim que nunca disseste e com a aceitação de um amor que nunca recebeste.
Pedro Rapoula, in 'Iniciação à Tristeza'

terça-feira, 16 de maio de 2006

Sonho


Para KG

"Às vezes quando, abatido e humilde, a própria força de sonhar se me desfolha e me seca, e o meu único sonho só pode ser o pensar nos meus sonhos, é então que me interrogo sobre quem tu és, Nossa Senhora do Silêncio... Figura que atravessa todas as minhas visões demoradas de paisagens outras, de interiores antigos, de cerimoniais faustosos de silêncio.
Visito contigo regiões que são talvez sonhos teus, terras que são talvez corpos teus de ausência e de desumanidade. Talvez eu não tenha outro sonho senão tu. Talvez seja nos teus olhos, encostando a minha face à tua, que lerei essas paisagens impossíveis, esses tédios falsos, esses sentimentos que habitam a sombra dos meus cansaços e as grutas dos meus desassossegos.
Que espécie de vida tens? Que modo de ver é o modo como te vejo? Teu perfil nunca é o mesmo mas nada muda. Eu digo isso porque eu sei, ainda que não saiba o que sei. Tu não és mulher, nem mesmo dentro de mim evocas qualquer coisa que eu possa sentir feminina. É quando falo de ti, é quando as palavras te chamam fêmea e as expressões te contornam de mulher que eu tenho de te falar com ternura e amoroso.
Ocupas o intervalo dos meus pensamentos e os interstícios das minhas sensações. Por isso eu não penso nem sinto mas os meus pensamentos são ogivais de te sentir e os meus sentimentos góticos de evocar-te.
Ah Nossa Senhora do Silêncio! Ó Lua de memórias perdidas sobre a negra paisagem do vazio da minha imperfeição. Debruço-me sobre o teu rosto branco nas águas nocturnas do meu desassossego, no meu saber que és lua. "
Bernardo Soares, in 'Livro do Desassossego'

quinta-feira, 11 de maio de 2006

Ausência


E não é, como me dizem, na tua ausência que te esqueço porque é exactamente na inexistência de ti que mais te encontro. E de repente tudo se torna mais fácil porque te entregas e te deixas amar.

Pedro Rapoula, in 'Iniciação à Tristeza'

sábado, 6 de maio de 2006

Abandono


"Mesmo que um dia o teu espelho te não mostre mais que um retrato deformado onde não ouses reconhecer-te, existirá sempre noutro sítio o reflexo imóvel de ti. E desse modo imobilizarei a tua alma também.
Tu já não me amas. Se consentes em ouvir-me durante uma hora é porque somos sempre indulgentes com aqueles que vamos deixar. Ligaste-me e agora desligas-me. Não te censuro, Gherardo. O amor de alguém é sempre um presente tão inesperado e tão pouco merecido que devemos espantar-nos que não no-lo retirem mais cedo. Não estou inquieto por aqueles que ainda não conheces, ao encontro de quem vais e que porventura te esperam: aquele que eles vão conhecer será diferente daquele que eu julguei conhecer e creio amar. Não se possui ninguém (mesmo os que pecam não o conseguem) e, sendo a arte a única forma de posse verdadeira, o que importa é recriar um ser e não prendê-lo. Gherardo, não te enganes sobre as minhas lágrimas: vale mais que os que amamos partam quando ainda conseguimos chorá-los. Se ficasses, talvez a tua presença, ao sobrepor-se-lhe, enfraquecesse a imagem que me importa conservar dela ....
... só se possuem eternamente os amigos de quem nos separamos."

Marguerite Yourcenar, in 'O TEMPO – esse grande escultor'

sexta-feira, 5 de maio de 2006

Amar é



"Amar é reconhecer nos outros um ser misterioso, e não um objecto - tu eras uma vibração à tua volta, não a estreita presença de um corpo. Aqueles que não amamos nem odiamos são nítidos como uma pedra. Sentir neles uma pessoa é começar a amar ou a odiá-los. Só amamos ou odiamos quem é vivo para nós. («Nunca amaste ninguém...»). "

Vergílio Ferreira, in 'Estrela Polar'

quinta-feira, 4 de maio de 2006

Silêncio


Silêncio!
Do silêncio faço um grito
O corpo todo me dói
Deixai-me chorar um pouco.
De sombra a sombra
Há um Céu...tão recolhido...
De sombra a sombra
Já lhe perdi o sentido.

Ao céu!
Aqui me falta a luz
Aqui me falta uma estrela
Chora-se mais
Quando se vive atrás dela.

E eu,
A quem o sol esqueceu
Sou a que o mundo perdeu
Só choro agora
Que quem morre já não chora.

Solidão!
Que nem mesmo essa é inteira...
Há sempre uma companheira
Uma profunda amargura.

(...)
Adeus
Já fui para além da vida
Do que já fui tenho sede
Sou sombra triste
Encostada a uma parede.

Adeus,
Vida que tanto duras
Vem morte que tanto tardas
Ai, como dói
A solidão quase loucura.
Amália Rodrigues, in "Versos"

terça-feira, 2 de maio de 2006

Liberdade


Cada um só pode ser ele mesmo, inteiramente, apenas pelo tempo em que estiver sozinho. Quem, portanto, não ama a solidão, também não ama a liberdade: apenas quando se está só é que se está livre.
Arthur Schopenhauer, in 'Aforismos para a Sabedoria de Vida'