segunda-feira, 18 de julho de 2011

Todos os meus mortos



Hoje convoco todos os meus mortos.
Hoje quero os seus sorrisos.
Quero as suas mãos no meu cabelo. Quero os seus gestos contidos. Quero os seus olhares perdidos. Quero choros e gemidos.
Quero sobretudo vê-los.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Em cada despedida



Fito a morte com a mesma tranquilidade com que vejo um pôr do sol.
Há nas suas repetições a confirmação de uma sentença.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Junto ao mar


Eu queria morrer nos teus olhos.
Queria ter como mortalha os entardeceres que passámos junto ao mar
Que a marcha fúnebre fosse a tua gargalhada
E que de mim dissessem apenas: morreu de amor.


para M.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Com morte te paguei o teu amor.


"Infante : […] Como poderei ver aqueles olhos
cerrados pera sempre? Como aqueles
cabelos já não de ouro, mas de sangue?
Aquelas mãos tão frias, e tão negras,
que antes via tão alvas, e fermosas?
Aqueles brancos peitos trespassados
de golpes tão cruéis? Aquele corpo,
que tantas vezes tive nos meus braços
vivo, e fermoso, como morto agora,
e frio o posso ver? Ai como aqueles
penhores seus tão sós? Ó pai cruel,
tu não me vias neles? Meu amor,
já me não ouves? Já não te hei-de ver?
Já te não posso achar em toda a terra?
Chorem meu mal comigo quantos me ouvem,
chorem as pedras duras, pois nos homens
s’achou tanta crueza. E tu, Coimbra,
cubre-te de tristeza pera sempre.
Não se ria em ti nunca, nem se ouça
senão prantos, e lágrimas: em sangue
se converta aquela água do Mondego.
As árvores se sequem, e as flores.
Ajudem-me pedir aos céus justiça
deste meu mal tamanho.
Eu te matei, senhora, eu te matei.
Com morte te paguei o teu amor.
Mas eu me matarei mais cruelmente
do que te a ti mataram, se não vingo
com novas crueldades tua morte.
Para isto me dá, Deus, somente vida.
Abra eu com minhas mãos aqueles peitos.
Arranque deles uns corações feros,
que tal crueza ousaram: então acabe.
Eu te perseguirei, Rei meu imigo.
Lavrará muito cedo bravo fogo
nos teus, na tua terra; destruídos
verão os teus amigos, outros mortos,
de cujo sangue s’encherão os campos,
de cujo sangue correrão os rios,
em vingança daquele. Ou tu me mata,
ou fuge da minh’ira, que já agora
te não conhecerá por pai. Imigo
me chamo teu, imigo teu me chama.
Não m’és pai, não sou filho, imigo sou.
Tu, senhora, estás lá nos céus; eu fico
enquanto te vingar; logo lá voo.
Tu serás cá rainha, como foras.
Teus filhos, só por teus serão infantes.
Teu inocente corpo será posto
em estado real; o teu amor
m’acompanhará sempre, té que deixe
o meu corpo c’o teu, e lá vá est’alma
descansar com a tua pera sempre."


António Ferreira, in "Castro"