sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Além de ti


Quem?
Quem, além de ti, poderia eu amar assim?


para M.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

A sua mais que perfeita imprecisão


"A vida, as suas perdas e os seus ganhos, a sua
mais que perfeita imprecisão, os dias que contam
quando não se espera, o atraso na preocupação
dos teus olhos, e as nuvens que caíram
mais depressa, nessa tarde, o círculo das relações
a abrir-se para dentro e para fora
dos sentidos que nada têm a ver com círculos,
quadrados, rectângulos, nas linhas
rectas e paralelas que se cruzam com as
linhas da mão;

a vida que traz consigo as emoções e os acasos,
a luz inexorável das profecias que nunca se realizaram
e dos encontros que sempre se soube que
se iriam dar, mesmo que nunca se soubesse com
quem e onde, nem quando; essa vida que leva consigo
o rosto sonhado numa hesitação de madrugada,
sob a luz indecisa que apenas mostra
as paredes nuas, de manchas húmidas
no gesso da memória;

a vida feita dos seus
corpos obscuros e das suas palavras
próximas."


Nuno Júdice, in 'Teoria Geral do Sentimento'
(No dia em que faço 32 anos.)

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Todo o amor


"Os amigos

Esses estranhos que nós amamos
e nos amam
olhamos para eles e são sempre
adolescentes, assustados e sós
sem nenhum sentido prático
sem grande noção da ameaça ou da renúncia
que sobre a luz incide
descuidados e intensos no seu exagero
de temporalidade pura

Um dia acordamos tristes da sua tristeza
pois o fortuito significado dos campos
explica por outras palavras
aquilo que tornava os olhos incomparáveis

Mas a impressão maior é a da alegria
de uma maneira que nem se consegue
e por isso ténue, misteriosa:
talvez seja assim todo o amor"


um poema de José Tolentino Mendonça que lhe dedico no dia do seu aniversário.
Obrigado pela presença, pelo carinho e pela amizade.
Muitos parabéns!

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

De uma pátria emprestada


.
"As coisas vulgares que há na vida não deixam saudade,
só as lembranças que doem ou fazem sorrir".
.
Estou em São Paulo. Vim para estar junto da minha avó, hoje, quando passa um ano sobre a sua morte.
Não esqueço este dia. Não esqueço o seu último olhar. Não esqueço o último beijo que trocámos. Não esqueço as promessas de encontros futuros. Não esqueço a esperança de que tudo iria acabar bem. Não esqueço como tudo acabou mal.
Perante o seu túmulo, numa terra que não é a nossa, neste calor de Dezembro de uma pátria emprestada, desejo a chuva e o frio de Lisboa. Só isso faz sentido num dia como o de hoje. Até sempre Avó.


"As coisas vulgares que há na vida
Não deixam saudades
Só as lembranças que doem
Ou fazem sorrir

Há gente que fica na história
da história da gente
e outras de quem nem o nome
lembramos ouvir

São emoções que dão vida
à saudade que trago
Aquelas que tive contigo
e acabei por perder

Há dias que marcam a alma
e a vida da gente
e aquele em que tu me deixaste
não posso esquecer

A chuva molhava-me o rosto
Gelado e cansado
As ruas que a cidade tinha
Já eu percorrera

Ai... meu choro de moça perdida
gritava à cidade
que o fogo do amor sob chuva
há instantes morrera

A chuva ouviu e calou
meu segredo à cidade
E eis que ela bate no vidro
Trazendo a saudade "

Jorge Fernando por Mariza, in 'Concerto em Lisboa'

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Memória.


Se a minha avó fosse viva, fazia hoje 82 anos. Parto para o Brasil esta noite para a homenagear na cidade em que passou os seus ultimos anos de vida. Dia 8 passará um ano da sua morte. Estarei junto ao seu túmulo para encerrar este ano de luto. E de perdas. A dela foi apenas a primeira.
Neste dia do seu aniversário, fica um ramo de rosas vermelhas, as suas flores favoritas. Amanhã estaremos mais próximos.


"Encham a casa de rosas
Mas de rosas naturais
Dessas que trepam viçosas
Pelos muros dos quintais

Rosas de todas as cores
Que me tragam alegria
Que têm todas as flores
Abertas à luz do dia

E que sejam macias
Para as ter ao pé de mim
Mas não sejam rosas frias
Como essas de cetim

E seja tudo surpresa
Como se fosse a sonhar
Ponham, ponham flores na mesa
Que hoje não quero chorar."

Fernando Tavares Rodrigues por Katia Guerreiro

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Que és todo o mundo que tenho




"Por que voltas de que lei
Vem este sentir profundo
Por te saber como sei
Me sinto dona do mundo

Por que espada de que rei
Meu amor é fogo posto
És tanto de quanto amei
Que és tudo de quanto gosto

Por este amor que te tenho
Por ser assim como sou
És inferno donde venho
És o céu para onde vou

Por que voltas de que lei
És tudo de quanto gosto
Me perdi e me encontrei
Nas voltas que tem teu rosto

Por que voltas de que rei
Em meu peito teu desenho
És tanto de quanto amei
Que és todo o mundo que tenho

E de tão rica que estou
Nunca tão pobre fiquei
Por ser assim como sou
E te saber como sei"

Amália Rodrigues por Cuca Roseta

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

A criada que queria muito ser princesa


Era uma vez uma criada que queria muito ser princesa. Sonhava todos os dias que chegaria um Príncipe num cavalo branco para a resgatar dessa vida triste. Tanto andou, tanto andou que acabou por casar com um polícia. Foi a farda que a iludiu. Conheceram-se quando ele foi a casa da patroa entregar uma notificação do tribunal. O casamento foi simples mas bonito. Ela foi de branco porque até então não conhecera homem. A menina das alianças foi a vizinha do terceiro andar que era anã e parecia uma criança. Mas não foi de branco porque essa, sim, conhecera homens vários, aliás, conhecia-os pelo menos às terças e quintas das 16h às 18h (menos aos feriados). A criada e o polícia viviam juntos numas águas furtadas na Mouraria. Ele gostava de fado e ela gostava de futebol. A Fátima não iam muito porque era longe mas chegaram a ir e pararam na Casa das Regueifas para comprar uma regueifa que comeram às fatias, torradas com manteiga nessa mesma noite. A vida lá ia andando, uns dias melhor e nos outros pior, como Deus queria. Aos domingos iam à missa e quando ele estava de folga iam a Sintra comer queijadas. Um dia o polícia levou um tiro num bairro problemático de Lisboa e morreu no hospital de Amadora-Sintra. Ela nunca mais foi à missa mas concorreu a um concurso público e passou a lavar as escadas do Palácio da Ajuda que ainda por cima eram muitas. Diz que um dia destes se deixa ficar por lá durante a noite e vai experimentar as camas todas que encontrar. Para ser princesa por um dia. As más linguas dizem que ela quer é experimentar os seguranças todos do palácio. Mas disso eu não percebo nada...

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Muoio d'affanno



"FIORDILIGI E DORABELLA
Muoio d'affanno.

FIORDILIGI (piangendo)
Di scrivermi ogni giorno
Giurami, vita mia!

DORABELLA (piangendo)
Due volte ancora
Tu scrivimi, se puoi.

FERRANDO
Sii certa, o cara.

GUGLIELMO
Non dubitar, mio bene.

DON ALFONSO (fra sé)
Io crepo, se non rido!

FIORDILIGI
Sii costante a me sol...

DORABELLA
Serbati fido.

FERRANDO
Addio.

GUGLIELMO
Addio.

FIORDILIGI E DORABELLA
Addio.

FIORDILIGI, DORABELLA, FERRANDO E GUGLIELMO
Mi si divide il cor, bell'idol mio!
Addio! Addio! Addio!"

Così fan tutte
Music by Wolfang Amadeuz Mozart

From the Opernhaus Zürich (Switzerland)
Libretto by Lorenzo da Ponte
Chorus and Orchestra of the Opernhaus Zürich
Conducted by Nikolaus Harnoncourt

Fiordiligi: Cecilia Bartoli
Despina: Agnes Baltsa
Dorabella: Liliana Nikiteanu
Ferrando: Roberto Sacca
Gulielmo: Oliver Widmer
Don Alfonso: Carlos Chausson


FIORDILIGI E DORABELLA
Morro de angústia.
FIORDILIGI (chorando)
Jura-me, minha vida,
que me escreverás todos os dias!
DORABELLA (chorando)
Tu, escreve-me
duas vezes, se puderes.
FERRANDO
Podes estar segura, minha querida.
GUGLIELMO
Não duvides, meu tesouro.
DON ALFONSO (para si)
Eu, se não rir, rebento.
FIORDILIGI
Sê fiel apenas a mim.
DORABELLA
Mantém-te fiel!
FERRANDO
Adeus.
GUGLIELMO
Adeus.
FIORDILIGI E DORABELLA
Adeus.
FIORDILIGI, DORABELLA, FERRANDO E GUGLIELMO
Parte-se-me o coração, belo ídolo meu!
Adeus! Adeus! Adeus!

(Tradução: Jorge Rodrigues / TNSC)

domingo, 8 de novembro de 2009

Da recta claridade dos teus passos


"Falta a luz dos teus olhos na paisagem:
O oiro dos restolhos não fulgura.
Os caminhos tropeçam, à procura
Da recta claridade dos teus passos.
Os horizontes, baços,
Muram a tua transparência.
Sem transparência.
O mesmo rio que te reflectiu
Afoga, agora, o teu perfil perdido.
Por te não ver, a vida anoiteceu
À hora em que teria amanhecido..."


Miguel Torga
(para a minha avó, que morreu há 11 meses)

sábado, 7 de novembro de 2009

A mesma bruma


Procuro no teus olhos um amor por confirmar
Encontro neles ausência.
La fora o cinzento do céu, o silêncio, a melancolia
E no meu peito a dor de uma dúvida
A inquietação de um abandono,
a bruma.
Sempre a mesma bruma.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Um sentido oculto de crueldade


É da vida que costumamos fitar a morte. A arte faz o contrário: olha a vida a partir de uma morte invivível. Por isso, nos fascinam tanto os seus rostos e as máscaras com que se mostram, como se fossem sinais do impossível.
O texto escrito, aos onze anos, por Adília Lopes e que deu a estas obras a oportunidade de existirem é disto um augúrio. Aí, a morte é olhada da infância (“fiquei parada, contemplando o passarito, como se ele fosse um sinal vermelho que me impedisse de avançar”) e a infância é vista da morte (“jamais esperaria o Sol, as flores, o arco-íris, estava morto, enfim”).
Pedro Rapoula leu esse texto, voltou a lê-lo, e deu-lhe as imagens de uma alucinação serena. Pegou nas andorinhas de Rafael Bordalo Pinheiro e disse às suas mãos para descobrirem nelas um sentido oculto de crueldade.
Paula Rego afirmou-me um dia que, de todos os artistas portugueses, Bordalo Pinheiro é o mais capaz de lhe gerar encantamento e espanto. Quando fala dele a sua voz fica alta como os crimes dos seus quadros. Para isto ser como digo, é porque também ela adivinhou em Bordalo uma crueldade exacta e injusta como a da morte .
Eu olho estas aves de Rapoula, cercadas pelo vidro das suas caixas-sarcófagos, e já não consigo chamar-lhes andorinhas. A morte aproximou-se tanto delas, e aproximou-as tanto de nós, que elas deixaram de ser o que foram.
O Pedro Rapoula falou-me deste seu trabalho trocando a ligeira altivez do seu grupo humano por uma gravidade discreta que o universaliza. Eu sei que ele fica feliz (e só isso lhe bastaria) quando fixa os gestos que as suas mãos fazem para acrescentar as coisas de outras coisas – as que dão leveza ao peso e peso à leveza.
Dizer o nome da morte é falar do tempo e do seu extermínio. Mas o nosso tempo foge do tempo, num fuga veloz a que chama vida. Gosta de sustos falsos, fáceis e fúteis. Não gosta de medos fundos como o prego daquela noite de que um dia falou Cesariny: “a noite como um prego a noite louca/ a noite com árvores na boca”.
Rapoula aponta aqui ao lugar em que o voo ágil das aves se cruza com o voo trôpego do tempo. Esta exposição dá a Saturno e à sua voracidade um corpo frágil (nada há mais frágil do que a beleza) e múltiplo (nada há mais bem dividido do que a morte). Na horizontalidade caída dos pássaros negros há um grito vertical que rege o seu sentido. Mas, chegado aqui, desvio-me, porque lembro o que afirmou Susan Sontag: “ Em vez de uma hermenêutica, nós precisamos de uma erótica da arte”.
Os antiquários são casas de tempo. Neles, há a sombra de uma luz maior do que essa que nos alegra quando a olhamos no fulgor frio das jóias, no reflexo fugidio dos cristais, no brilho liso das porcelanas. Não existe melhor lugar para dar a ver estes pássaros-vítimas do que um antiquário com a sua elegância melancólica e avara. Ninguém como Visconti disse “morte”, quando dizia “beleza”. Assim, não há mais viscontiana nem melhor companhia para esta exposição do que a de uma outra que se chama “Vanitas”, pois em face desta palavra estão as antiquísssimas caveiras que a usam para nos lembrarem a morte e o nosso conflito com ela.
Aqui, estes pássaros torturados acrescentam à melancolia do lugar a crueldade que lhe falta, sem desfazerem a elegância que lhe sobra. Por isso, é acertado que esta exposição se faça sob o nome de “Primavera”, pois esse é o tempo do ano em que tudo nasce para morrer.”

José Manuel dos Santos

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Primavera


"Saí de casa, era uma manhã fria, sem Sol, em que as árvores pareciam mãos enormes buscando a Primavera no céu sem cor...e a chuva caía...caía...
Comecei a andar, abri o guarda-chuva, a rua parecia-me imensa, toda branca, beijada pela chuva. Os pardais voavam nas árvores talvez lobrigando nelas flores, Sol. Senti que era Inverno.
Virei a esquina e ali no chão estava uma bolinha castanha que já não chamaria mais a Primavera... fiquei parada, contemplando o passarito, como se ele fosse um sinal vermelho que me impedisse de avançar.
Olhei, olhei mais, vi uns olhos abertos, uns olhos sem vida e aquelas penas castanhas...não mais enfrentariam o vento...
Não podia fazer nada. Andei. No ar voavam mais pardais e aquele ali, jamais voaria. Andei. Ouvi a mulher das flores a apregoar e a carroça das hortaliças que chiava longínqua.
Na calçada soaram enfim os meus passos, caminhando sozinhos com a chuva...
Olhei para o céu, brilhava nele o Sol, a chuva tinha parado e o arco-íris era uma cavalgada imensa para o infinito...
Pardal...nascia a manhã dos pregões, das conversas, nasciam nos ninhos mais pardais e aquele sozinho, perdido na multidão das pedras brancas, jamais esperaria o Sol, as flores, o arco-íris, estava morto, enfim."


Adília Lopes
(no dia em que inauguro "PRIMAVERA", a minha exposição)

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Porque te encontrei



Ouço o disco 'Alina', de Arvo Pãrt. Se a tristeza fosse um som, era este. Sem querer penso no que não devo. Penso nos meus. Nos que perdi. Nos que partiram. Sinto as ausências de todos. E ainda assim, num ano tão fortemente marcado pela morte, estou tranquilo. Porque te encontrei.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Deste terrível isolamento


"(...)
«Que solidão?» , pergunto-lhe eu. «A solidão que agora reina por todo o lado, especialmente no nosso século, e ainda vem longe o fim dela. Porque cada um, hoje em dia, deseja isolar cada vez mais a sua pessoa, quer experimentar em si mesmo a plenitude da vida e, no entanto, o resultado é que todos os seus esforços, em vez da plenitude da vida, acabam num suicídio absoluto, porque em vez da plenitude da definição da sua personalidade entra num isolamento total. Porque todos, no nosso século, se separaram, cada qual se isolando na sua toca, cada qual se afastando do outro, escondendo-se e escondendo o que possui, acabando por rejeitar os outros e ser rejeitado pelos outros. Acumula a sua riqueza em solidão e pensa: que forte eu sou, que rico... e mal sabe, o louco, que quanto mais acumula mais mergulha na impotência suicida. Porque está habituado a contar apenas consigo e, como unidade, se separou do comum, habituou a sua alma a não acreditar na ajuda dos outros, nas pessoas e na humanidade e apenas receia que o seu dinheiro e os seus direitos adquiridos se percam. Hoje, por todo o lado, a mente humana irónica começa a perder consciência de que o verdadeiro sustento do indivíduo não consiste no seu esforço pessoal e solitário, mas num esforço em comunidade humana. É inevitável, porém, que chegue o fim deste terrível isolamento e que se compreenda, de uma vez por todas, como é antinatural esta separação de uns e de outros. Será assim o espírito da época, e as pessoas espantar-se-ão por terem passado tanto tempo na escuridão, sem verem a luz.»
(...)"

Fiódor Dostoiévsky, in 'Os irmãos Karamázov'

sábado, 24 de outubro de 2009

De tristeza, de incerteza



"As coisas estão passando mais depressa
O ponteiro marca 120
O tempo diminui
As árvores passam como vultos
A vida passa, o tempo passa
Estou a 130
As imagens se confundem
Estou fugindo de mim mesmo
Fugindo do passado, do meu mundo assombrado
De tristeza, de incerteza
Estou a 140
Fugindo de você
Eu vou voando pela vida sem querer chegar
Nada vai mudar meu rumo nem me fazer voltar
Vivo, fugindo, sem destino algum
Sigo caminhos que me levam a lugar nenhum

O ponteiro marca 150
Tudo passa ainda mais depressa
O amor, a felicidade
O vento afasta uma lágrima
Que começa a rolar no meu rosto
Estou a 160
Vou acender os faróis, já é noite
Agora são as luzes que passam por mim
Sinto um vazio imenso
Estou só na escuridão
A 180
Estou fugindo de você

Eu vou sem saber pra onde nem quando vou parar
Não, não deixo marcas no caminho pra não saber voltar
Às vezes sinto que o mundo se esqueceu de mim
Não, não sei por quanto tempo ainda eu vou viver assim

O ponteiro agora marca 190
Por um momento tive a sensação
De ver você a meu lado
O banco está vazio
Estou só a 200 por hora
Vou parar de pensar em você
Pra prestar atenção na estrada"

Roberto Carlos por Marília Pera, in 'Elas Cantam Roberto Carlos'

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

O meu futuro


"Foste o meu passado
e serás o meu futuro
mesmo quando o futuro
já tiver acabado

O princípio e o termo
a luz e o escuro

quando o fim do presente
já tiver terminado"

Maria Teresa Horta
(para ti, neste dia especial...)

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Este céu


"Este céu passará e então
teu riso descerá dos montes pelos rios
até desaguar no nosso coração"


Ruy Belo

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Se bastasse

´

"Ai meu amor se bastasse
Saberes que eu te amo tanto
E cada vez que eu cantasse
Ai meu amor se bastasse
Saberes que é por ti que eu canto

Ai meu amor se bastasse
O que a cantar eu consigo
E mesmo que eu não cantasse
Ai meu amor se bastasse
O que a falar eu não digo

Ai meu amor se bastasse
Eu saber que te não basta
E na vida que eu gastasse
A cantar eu reparasse
Que a nossa vida está gasta

Se o que eu tenho p'ra te dar
Quando eu canto te chegasse
Se isso pudesse bastar
Se me bastasse cantar
Ai meu amor se bastasse"

Aldina Duarte

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Este poema sobre ti


"há qualquer na tua boca no mover dos teus lábios quando
nessa língua ponte entre nós dizes a língua e outra qualquer coisa
quando dizes a tua boca original a mesma que tantas vezes me dás
no mover de ti e no ondular do som da tua voz quando estou sobre ti
ou tu sobre mim e este poema sobre ti e tantas vezes nunca são
muitas vezes na tua língua
a palavra tem o som da tua voz
em qualquer boca até
na minha
pronúncia atrapalhada até para dizer o teu nome e há qualquer coisa
nesta ponte que fazemos que estendemos em tapete futuro
qualquer coisa metálica e quente uma espécie de fundição no
mover dos lábios para tanto no mover de ti"

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

E o azul de repente


"Tudo ocorreu de repente.
De repente caiu a luz do dia no solo,
de repente apareceu o céu,
e o azul de repente.
Tudo ocorreu de repente,
de repente começou a sair o fumo da terra,
de repente cresceu a planta, de repente saiu a flor.
De repente amadureceu a fruta.

De repente.
De repente,
tudo ocorreu de repente.
A rapariga de repente, o rapaz de repente,
as ruas, o campo, os gatos e os humanos...
O amor de repente
e a alegria de repente."

Orhan Veli Kanık (traduzido por M. Tiago Paixão)

domingo, 18 de outubro de 2009

De certos encontros de acaso


"Nada do mundo mais próximo
mas aqueles a quem negamos a palavra
o amor, certas enfermidades, a presença mais pura
ouve o que diz a mulher vestida de sol
quando caminha no cimo das árvores
«a que distância da língua comum deixaste
o teu coração?»

A altura desesperada do azul
no teu retrato de adolescente há centenas de anos
a extinção dos lírios no jardim municipal
o mar desta baía em ruínas ou se quiseres
os sacos do supermercado que se expandem nas gavetas
as conversas ainda surpreendentemente escolares
soletradas em família
a fadiga da corrida domingueira pela mata
as senhas da lavandaria com um "não esquecer" fixado
o terror que temos
de certos encontros de acaso
porque deixamos de saber dos outros
coisas tão elementares
o próprio nome
Ouve o que diz a mulher vestida de sol
quando caminha no cimo das árvores
«a que distância deixaste
o coração?»"

José Tolentino Mendonça, in 'A Que Distância Deixaste o Coração'

sábado, 17 de outubro de 2009

De faces nuas


"Amor é o olhar total, que nunca pode
ser cantado nos poemas ou na música,
porque é tão-só próprio e bastante,
em si mesmo absoluto táctil,
que me cega, como a chuva cai
na minha cara, de faces nuas,
oferecidas sempre apenas à água."

Fiama Hasse Pais Brandão

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Mais um dia que passou


"Hoje venho dizer-te que nevou
no rosto familiar que te esperava
Não é nada, meu amor, foi um pássaro
a casca do tempo que caiu,
uma lágrima, um barco, uma palavra.

Foi apenas mais um dia que passou
entre arcos e arcos de solidão;
a curva dos teus olhos que se fechou,
uma gota de orvalho, uma só gota,
secretamente na tua mão. "

Eugénio de Andrade

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Com passos de reter tempo

"Devia morrer-se de outra maneira.
Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
Ou em nuvens.
Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol
a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos
os amigos mais íntimos com um cartão de convite
para o ritual do Grande Desfazer: "Fulano de tal comunica
a V. Exa. que vai transformar-se em nuvem hoje
às 9 horas. Traje de passeio".
E então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos
escuros, olhos de lua de cerimónia, viríamos todos assistir
à despedida.
Apertos de mãos quentes. Ternura de calafrio.
"Adeus! Adeus!"
E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento,
numa lassidão de arrancar raízes...
(primeiro, os olhos... em seguida, os lábios... depois os cabelos...)
a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se
em fumo... tão leve... tão subtil... tão pólen...
como aquela nuvem além (vêem?) — nesta tarde de Outono
ainda tocada por um vento de lábios azuis..."
José Gomes Ferreira
para a minha avó, que morreu há 10 meses.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Do vento que me atraiçoa



"Tenho ciúme das verdes ondas do mar
Que teimam em querer beijar
Teu corpo erguido às marés.

Tenho ciúme do vento que me atraiçoa,
Que vem beijar-te na proa
E morre pelo convés.

Tenho ciúme do luar da lua cheia
Que no teu corpo se enleia
Para contigo ir bailar.

Tenho ciúme das ondas que se levantam
E das sereias que cantam,
Que cantam p'ra te encantar.

Oh meu amor marinheiro,
Oh dono dos meus anelos,
Não deixes que à noite a lua
Roube a cor aos teus cabelos.

Não olhes para as estrelas
Porque elas podem roubar
O verde que há nos teus olhos
Teus olhos da cor do mar."

António de Oliveira Campos por Carminho, em 'Fado'
(para ti.)

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Essa alegria


"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso.
É possível, porque tudo é possível, que ele seja aquele que eu desejo para vós.
Um simples mundo, onde tudo tenha apenas a dificuldade que advém de nada haver que não seja simples e natural. Um mundo em que tudo seja permitido, conforme o vosso gosto, o vosso anseio, o vosso prazer, o vosso respeito pelos outros, o respeito dos outros por vós.

E é possível que não seja isto, nem seja sequer isto o que vos interesse para viver. Tudo é possível, ainda quando lutemos, como devemos lutar, por quanto nos pareça a liberdade e a justiça, ou mais que qualquer delas uma fiel dedicação à honra de estar vivo.

Um dia sabereis que mais que a humanidade não tem conta o número dos que pensaram assim, amaram o seu semelhante no que ele tinha de único, de insólito, de livre, de diferente, e foram sacrificados, torturados, espancados, e entregues hipocritamente à secular justiça, para que os liquidasse «com suma piedade e sem efusão de sangue.»

Por serem fiéis a um deus, a um pensamento, a uma pátria, uma esperança, ou muito apenas à fome irrespondível que lhes roía as entranhas, foram estripados, esfolados, queimados, gaseados, e os seus corpos amontoados tão anonimamente quanto haviam vivido, ou suas cinzas dispersas para que delas não restasse memória.

Às vezes, por serem de uma raça, outras por serem de uma classe, expiaram todos os erros que não tinham cometido ou não tinham consciência de haver cometido. Mas também aconteceu e acontece que não foram mortos.

Houve sempre infinitas maneiras de prevalecer, aniquilando mansamente, delicadamente, por ínvios caminhos quais se diz que são ínvios os de Deus.
Estes fuzilamentos, este heroísmo, este horror, foi uma coisa, entre mil, acontecida em Espanha há mais de um século e que por violenta e injusta ofendeu o coração de um pintor chamado Goya, que tinha um coração muito grande, cheio de fúria e de amor. Mas isto nada é, meus filhos.

Apenas um episódio, um episódio breve, nesta cadeia de que sois um elo (ou não sereis) de ferro e de suor e sangue e algum sémen a caminho do mundo que vos sonho.

Acreditai que nenhum mundo, que nada nem ninguém vale mais que uma vida ou a alegria de tê-la. É isto o que mais importa - essa alegria.
Acreditai que a dignidade em que hão-de falar-vos tanto não é senão essa alegria que vem de estar-se vivo e sabendo que nenhuma vez alguém está menos vivo ou sofre ou morre para que um só de vós resista um pouco mais à morte que é de todos e virá.

Que tudo isto sabereis serenamente, sem culpas a ninguém, sem terror, sem ambição, e sobretudo sem desapego ou indiferença, ardentemente espero. Tanto sangue, tanta dor, tanta angústia, um dia - mesmo que o tédio de um mundo feliz vos persiga - não hão-de ser em vão.

Confesso que muitas vezes, pensando no horror de tantos séculos de opressão e crueldade, hesito por momentos e uma amargura me submerge inconsolável.
Serão ou não em vão? Mas, mesmo que o não sejam, quem ressuscita esses milhões, quem restitui não só a vida, mas tudo o que lhes foi tirado?

Nenhum Juízo Final, meus filhos, pode dar-lhes aquele instante que não viveram, aquele objecto que não fruíram, aquele gesto de amor, que fariam «amanhã».

E, por isso, o mesmo mundo que criemos nos cumpre tê-lo com cuidado, como coisa que não é nossa, que nos é cedida para a guardarmos respeitosamente em memória do sangue que nos corre nas veias, da nossa carne que foi outra, do amor que outros não amaram porque lho roubaram."

Jorge de Sena, in Metamorfoses
(no dia em que regressa a Lisboa)


quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Coisas de nada



"Deixa lá
Não ligues a coisas de nada
Não faças da vida enxada
Acabar em terra dura

Deixa lá
Não lamentes os nossos fracassos
Não esqueças os meus abraços
Não esqueças as tuas ternuras

Deixa lá
Temos um campo, uma cama um colchão
Um amigo em cada mão
Um jardim para regar

Deixa lá
Muitas flores
Muita força
Muitas dores
Pouca terra
Muitos amores
Muita roupa para passar

Deixa lá
Dorme o teu sono tranquilo
que eu cá fico sonhando
acordado na vida
Deixa lá

Deixa lá
Não ligues a coisas de nada
Não faças da vida enxada
Acabar em terra dura

Deixa lá
Não lamentes os nossos fracassos
Não esqueças os meus abraços
Não esqueças as tuas ternuras

Deixa lá
Que o mundo gira ao contrário,
Se nós temos um relicário
Com segredos de amor"

Trovante
para a minha mãe e para a minha irmã. Melhores dias virão.


terça-feira, 8 de setembro de 2009

A mesma ausência

"Nunca mais
Caminharás nos caminhos naturais.
Nunca mais te poderás sentir
Invulnerável, real e densa -
Para sempre está perdido
O que mais do que tudo procuraste
A plenitude de cada presença.

E será sempre o mesmo sonho, a mesma ausência."


Sophia de Mello Breyner Andresen

(para a minha avó, que morreu há nove meses)

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Abandono à dor


"(...)
De mim desprendeu-se um desespero selvagem, um abandono à dor que só de ver metia compaixão, uma raiva terrível e impotente, amargura e escárnio, angústia que chorava em voz alta, aflição que não podia encontrar voz, sofrimento mudo. Passei por todas as possíveis epécies de sofrimento. Melhor do que o próprio Wordsworth, sei o que ele queria dizer quando escreveu:

o sofrimento é permanente, obscuro e sobrio e tem natureza do Infinito.

Mas enquanto, por vezes, rejubilava com a ideia de que os meus sofrimentos seriam intermináveis, não podia suportar a ideia de que não tivessem significado. Agora encontro escondida na minha natureza qualquer coisa que me diz que tudo no mundo tem um significado. E o sofrimento mais do que tudo o resto. Que qualquer coisa oculta em mim, como um tesouro num campo, é a Humildade."

Oscar Wilde, in 'Carta a Bosie'

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Aqui neste vazio


"Para além de mim, para além de nós e deste mundo,
Criei um mundo nos meus olhos p'ra te olhar
E por amor refiz o céu e o mar profundo
E se não foi amor que mais pudera eu dar.

Deixei saudades no teu rosto desenhado
Pelo meu jeito infantil de te querer.
Fomos a casa, o sol e o vento apregoado,
Erguendo os braços quando a vida os quis erguer.

Dentro de mim, dentro da infância e deste rio
Deixei o amor ao rio que a alma me prendera
E juro a Deus que fico aqui neste vazio,
P'ra além de mim, p'ra além de nós à tua espera."


Diogo Clemente, por Carminho, em 'Fado'

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Regressar


"Evadir-me, esquecer-me, regressar
À frescura das coisas vegetais,
Ao verde flutuante dos pinhais
Percorridos de seivas virginais
E ao grande vento límpido do mar."

Sophia de Mello Breyner Andresen, in 'Obra Poética I'

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Um longo instante


"(...)
Um grande rio da vida correu entre nós e essa data tão distante. Mal se pode ver, se é que alguma coisa pode ver-se através de fosso tão largo. A mim parece-me ter acontecido, não direi ontem, mas hoje. O sofrimento é um longo instante. Não podemos dividi-lo em partes. Só podemos lembrar-nos dos estados de espírito e descrever o seu reaparecimento. Connosco o tempo não avança: gira. Parece contornar a dor. A paralisante imobilidade de uma vida em que todas as circusntâncias são reguladas por um padrão imutável, para que possamos comer, beber, passear, dormir e orar, ou pelo menos ajoelharmo-nos para rezar, e de acordo com as leis inflexíveis de uma fórmula férrea; esta imobilidade que torna cada horrível dia, no seu mais ínfimo pormenor, igual ao seu irmão, parece comunicar-se àquelas forças externas cuja essência é uma contínua mudança. Nada sabemos e nada podemos saber do tempo da sementeira ou da colheita, dos ceifeiros que se debruçam sobre o cereal ou dos vindimadores enfileirados entre os vinhedos, da erva do pomar tornada branca pelas flores caídas ou coberta pelos frutos. Para nós há apenas uma estação, a estação do Sofrimento. Parece que até o próprio Sol e a própria Lua nos foram tirados. Lá fora o dia pode estar azul e doirado, mas a luz que se escoa através do vidro, espessamente fosco, da pequena janela gradeada por detrás do qual nos sentamos é cinzenta e mesquinha. É sempre crepúsculo nas nossas celas, tal como é sempre meia-noite no nosso coração. E na esfera do pensamento, tanto como na esfera do tempo, não existe movimento. Aquilo que tu pessoalmente já esqueceste há muito tempo, ou podes esquecer facilmente, está a acontecer-me agora e acontecer-me-á amanhã. Lembra-te disto e assim serás capaz de compreender um pouco mais porque te escrevo desta maneira. (...)"

Oscar Wilde, in 'Carta a Bosie'

sábado, 29 de agosto de 2009

Gayatri Devi, a última Maharani de Jaipur


Gayatri Devi, Maharani of Jaipur, died on July 29th, aged 90.

Through India has not been ruled by princes for many decades, it is not hard to find princesses about the place. Bollywood stars, for example, in sheaths, shades and bling, whose every move and change of wardrobe is recorded in flashy magazines; fashionistas, aping Kareena’s T-shirt or Priyanka’s bobbed hair, who spend their afternoons eating ice cream in Delhi’s malls; and the VIPs, or VVIPs, who force their cars through the traffic with horns blaring, and who refuse the indignity of being searched at airports.

In contrast to these one may sometimes find, at high tea at the Delhi Polo Club or in the lounge of the Taj hotel, the genuine article. Gayatri Devi was among the most famous of these. Her beauty was astonishing, praised by Clark Gable, Cecil Beaton and Vogue, but liner or lipstick had nothing to do with it. She had a maharani’s natural poise and restraint. From her grandmother, she had learned that emeralds looked better with pink saris rather than green. From her mother, she knew not to wear diamond-drop earrings at cocktail parties. A simple strand of pearls, a sari in pastel chiffon and dainty silk slippers were all that was required. The fact that she looked equally good in slacks, posing by one of the 27 tigers she personally eliminated, or perched, smoking, on an elephant, merely underlined the point. She was a princess, and a princess could make Jackie Kennedy appear almost a frump.

Money was never lacking in her life. As the daughter of Prince Narayan of Cooch Behar, in West Bengal, she grew up with dozens of staff and governesses recommended by Queen Mary. Thirty horses, six butlers and four lorryloads of luggage accompanied the family to their holiday cottage. “Broomstick”, as the family called her—other members were “Bubbles” and “Diggers”—was polished up in Lausanne and Knightsbridge, where she rather redundantly took a secretarial course. Her future husband, the Maharajah of Jaipur (“Jai” to her) first appeared at Woodlands, the family home in Kolkata, resplendent in an open-top green Rolls Royce. When she married him in 1940 her presents included a Bentley, a hill-station house and a trousseau that was left for collection at the Ritz in Paris. Their life came to revolve round the polo seasons in which he starred: winter and spring in India, summer in Windsor or Surrey, the thundering chukkas interspersed with plentiful champagne.

Yet there was an oddity about Gayatri Devi. She was a tomboy who liked to keep company with the servants, worrying about their wages, and with the mahouts, learning their songs and stories of elephants. After meeting Jai at the age of 12 she began to wish she could be his groom, fortuitously brushing his beautiful hand as she handed him his polo stick. Distinctions between raja and praja, prince and people, did not bother her, and she could be as cavalier about the yawning social divide between women and men. As Jai’s third wife, she should have been in purdah in a “city” of 400 other lounging and sewing women, watching the world through filigree screens. Instead she kept him company in the palace, riding and big-game hunting, or flying to Delhi in her private plane to shop. And she set up a girls’ school in Jaipur through which, she hoped, other daughters of the nobility might eventually learn to stick up for themselves.

The perfumed prison

Independence in 1947 brought a democratised India and the replacement of the 562 princely states with centralised, socialist government, but her attachment to “my people” did not change. Command, like style, came naturally to her. In both Cooch Behar and Jaipur, arriving becomingly wind-blown at the wheel of her Buick or her Ferrari, she would be greeted with flowers and incense and with deep prostrations in the dust. The villagers trusted her to help them, so she tried. That intimate understanding between ruler and ruled, she often said later, was sadly missing from modern India. It went with the crumbling of modern Jaipur which, under the maharajahs, had been a glorious desert city of wide avenues, palaces, peacocks and pink walls. She always saw it that way.

In 1960, having asked Jai’s permission and summoned the party secretary to the palace, she joined the liberal Swatantra party to oppose Jawaharlal Nehru’s left-wing Congress. She did not like socialism or five-year plans. A run for parliament two years later for the Rajasthan constituency gave her the world’s largest landslide, 192,909 votes. But this was hardly surprising. The people were voting for “Ma”, their princess, an exquisite figure in pearls and pale chiffon enthroned on a palanquin of carpets, who nevertheless called them her sisters and her brothers.

She continued to field their problems to the end of her life, though her political career as such did not long outlast a spell in Delhi’s Tihar prison in 1975, under Indira Gandhi. The charge was currency offences, based on a few Swiss francs found in her bungalow among the jade, rose-quartz, Lalique and Rosenthal. The prime minister seemed mostly to object to her aristocracy. Gayatri Devi softened the blow by pouring French perfume into the open sewer in her cell. As it ran through the building, Asia’s largest prison and one of its worst, other prisoners gathered to inhale the wafting vapours, the true scent of royalty.

in 'The Economist'

Gayatri Devi, a última Maharani de Jaipur, e as suas memórias, 'Une princesse se souvient' foram a causa primeira do meu encantamento pela Índia. Uma Índia que, como pude comprovar, já não existe. A sua morte, aos 90 anos, encerra um ciclo na história desse grande país.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Pelo nosso amor desfeito (Letra para um fado tradicional)


Estes silêncios que calo
Bem fundo no coração
São lágrimas que não te entrego
São vozes da solidão

É a tristeza que guardo
Nos olhos e dentro do peito
É esta alma marcada
Pelo nosso amor desfeito

Vivo sem ti (e não vivo),
Vivo sem ti (por viver)
Uma existência vazia
Que é este amar sem te ter.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Das pessoas em particular


"(...)
Era um homem já de idade e com uma inteligência incontestável. Falava do mesmo modo sincero, embora com ironia, mas uma triste ironia. Gosto da humanidade, dizia ele, mas eu próprio me admiro: quanto mais gosto da humanidade em geral, menos gosto das pessoas em particular, isto é, das pessoas em separado, das pessoas concretas. Nos meus sonhos, dizia ele, chego muitas vezes às ideias apaixonadas de servir a humanidade , se calhar, seria mesmo capaz de subir ao calvário pelas pessoas se de repente isso fosse necessário; ao mesmo tempo, sou incapaz de conviver com alguém no mesmo quarto durante dois dias, digo-o por experiência. Mal alguém fica perto de mim, logo a sua personalidade me oprime o amor-próprio e me constrange a liberdade. Sou capaz de ganhar ódio, de um dia para o outro, à melhor das pessoas: odeio este porque come devagar ao almoço, odeio aquele porque está constipado e não pára de assoar o nariz. Basta as pessoas tocarem-me ao de leve, dizia-me ele, para me tornar inimigo delas. Entretanto, continuava, sempre me sucedeu que, quanto mais detestei as pessoas em particular, tanto mais glorioso era o meu amor pela humanidade em geral. (...)"

Fiódor Dostoiévski, in 'Os irmãos Karamázov'

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

No teu sorriso


'Tu partiste nos quatro versos
que antecederam estas linhas;
ou partiu o teu sorriso, porque tu
sempre moraste no teu sorriso,
chuva verde nas folhas, o teu sorriso,
bater de asas no pulso, o teu sorriso,
e o sabor, esse ardor da luz
sobre os lábios, quando os lábios são
rumor de sol nas ruas, o teu sorriso.'


Eugénio de Andrade
(roubado daqui)

sábado, 8 de agosto de 2009

A partida, o vazio, a ausência


"Agora, há um antes e um depois daquele dia. Mas, quando menos espera ou prevê, o tempo deixa de ser linear e torna-se circular. De repente, tudo regressa àquele momento, àquele corpo, àquele rosto parado. Talvez por isso, poucos dias após aquele dia, ele foi reler uma passagem de "Em Busca do Tempo Perdido": aquela em que, contando a morte da avó, Marcel narra verdadeiramente a morte da mãe de Proust. Diz como o seu rosto rejuvenesceu na hora em que a vida se ausentou dele. Dessas palavras tão frias como a morte que descrevem, ele fixa uma frase, a partir da qual começa a mudar a rota da sua dor: "A vida, ao retirar-se, acabava de levar as desilusões da vida. Parecia haver um sorriso poisado nos lábios da minha avó. Naquele leito fúnebre, a morte, como o escultor da Idade Média, deitara-a com a aparência de uma menina." Depois de assim ter lido, regressa ao momento em que chegou ao hospital e lhe deram a notícia. E volta a ver a mãe inclinada para o lado direito (parecia que dormia) e o seu rosto apagado pela morte. Mas não estava mais jovem do que fora, porque antes não envelhecera muito. Nem as rugas lhe desapareceram, porque nunca as tivera. Talvez por isso, ele pensara sempre que a mãe era eterna.

Agora, todos os dias olha as fotografias. Tenta adivinhar as situações em que foram tiradas, procura despertar o instante ali fixado. (...) Finalmente, vê a sua última imagem, sentada no sofá onde costumava estar. Depois de a ver, dirige-se, sem pensar nisso, ao sofá e senta-se no braço, como quando lhe fazia festas. Agora, em vez dela, há ali a partida, o vazio, a ausência - e nos seus olhos surge um brilho triste e húmido. (...)"

José Manuel dos Santos, in 'Impressão Digital'
para a minha avó que morreu há 8 meses

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Por um sorriso seu




Você não sabe quanta coisa eu faria
Além do que já fiz
Você não sabe até onde eu chegaria
Pra te fazer feliz

Eu chegaria
Onde só chegam os pensamentos
Encontraria uma palavra que não existe
Pra te dizer nesse meu verso quase triste
Como é grande o meu amor

Você não sabe que os anseios do seu coração
São muito mais pra mim
Do que as razões que eu tenha
Pra dizer que não
E eu sempre digo sim
E ainda que a realidade me limite
A fantasia dos meus sonhos me permite
Que eu faça mais do que as loucuras
Que já fiz pra te fazer feliz

Você só sabe
Que eu te amo tanto
Mas na verdade
Meu amor não sabe o quanto
E se soubesse iria compreender
Razões que só quem ama assim pode entender

Você não sabe quanta coisa eu faria
Por um sorriso seu
Você não sabe
Até onde chegaria
Amor igual ao meu

Mas se preciso for
Eu faço muito mais
Mesmo que eu sofra
Ainda assim eu sou capaz
De muito mais
Do que as loucuras que já fiz
Pra te fazer feliz

(porque desde que estamos juntos encontrei a paz.)

quarta-feira, 22 de julho de 2009

And I miss you...




Ask me where I go tonight I go back to today last year. Me and you had to make each other happier, now there's hope with everything.

It's hard enough to feel the world as it is and hold on anything. Without these quiet times you've brought round here.

I'm Gonna have to run away, I'm sure that I belong some other place. I've seen another side of all I've seen it keeps me wondering where my family is.

It's hard enough to see the world as it is, and hold on anything. Without these quiet times coming round here.

Now I miss you...
Now I want you...
But I can't have you...
Even when your here...

Suppose I have to take you with me, broken mind I'd rather leave you here. To forget everything you've seen and known erase every idea.

And you walk up in the street, and hold my hand and smile. Well I won't be taken in, cus I know how it turns out. And it takes me back to these quiet times coming round here.

Now I miss you...
Now I want you...
Your not coming back...
And I need you...
But I can't have you...
Even when your here...



Porque sinto a tua falta. Não gosto quando estás longe.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Luz e guia



"Avé Maria, cheia de graça
que por nós passa dando alegria
Nosso Senhor convosco está
e a nós nos dá o seu amor.

Rogai por nós os pecadores
das nossas dores ouvi a voz
e na agonia, quando chegar,
seja a rezar Avé Maria,
seja a rezar Avé Maria.

Santa Maria, ó Mãe clemente,
da nossa gente sois luz e guia.
Ao português que a paz vos pede
perdão concede mais uma vez."

Frei Hermano da Câmara por Maria Ana Bobone
para a minha avó que morreu há 7 meses

terça-feira, 30 de junho de 2009

Contra a distância e o esquecimento


Ela disse: "Eis aquela que parou em frente/ Das altas noites puras e suspensas.// Eis aquela que soube na paisagem/ Adivinhar a unidade prometida:/ Coração atento ao rosto das imagens,/ Face erguida,/ Vontade transparente/ Inteira onde os outros se dividem." Ela assim disse de Santa Clara de Assis, mas foi como se de si dissesse o que disse.

Às vezes, calo-me e fico à espera da sua voz, essa voz magnética como um íman que atraísse o mundo, porque nela mesmo o esperado é inesperado. Oiço-a, porque as vozes, mesmo as que partiram, respondem ao chamamento da nossa imaginação e fazem-se presentes contra a distância e o esquecimento. Às vezes, oiço-a dizer poemas que nunca escreveu, pois a morte lho impediu. Esses poemas são feitos das palavras suas que nos deixou - e que agora escrevem a sua ausência. Às vezes, quando o mundo me foge ou eu lhe fujo, quando tudo se parte ou se retrai - é o mundo, outra vez inteiro, que a sua voz me devolve, tal ele devia ser. Porque a voz de Sophia de Mello Breyner está além da sua contingência e aquém da sua eternidade. Por isso, continua a dizer: "O sol rente ao mar te acordará no intenso azul/ Subirás devagar como os ressuscitados/ Terás recuperado o teu selo a tua sabedoria inicial/ Emergirás confirmada e reunida/ Espantada e jovem como as estátuas arcaicas/ Com os gestos enrolados ainda nas dobras do teu manto."

Agora, lembro: uma tarde, marcámos encontro no Chiado, onde ela tinha ido. Nessa altura, já estava desavinda com a violência da vida e a confusão da cidade ("Assim a minha vida que era calma/ De repente se tornou ânsia e saudade"). Não quis ir lanchar à Benard, como costumava acontecer noutros tempos. Assim alguém se dirige a um refúgio, fomos para sua casa, na Graça. Logo que chegámos, ela, acendendo uma veemência de mãe, mostrou-me os quadros do Xavier e contou-me muitas histórias deles. A seguir, sem que eu esperasse, levou-me pelo corredor e abriu-me a porta dum sítio "onde não entra ninguém", o seu escritório, longo como uma carruagem de comboio - e eu vi o caderno de capa preta, onde ela escrevia os poemas e de que fala nalguns poemas ("Quando me perco de novo neste antigo/ Caderno de capa preta de oleado...").

Na mesa da casa de jantar, havia pão torrado e compotas à nossa espera. E o chá abria lentamente como um ouro leve na loiça lisa e branca, dando às horas uma alegria justa. Depois, fomos para a grande sala e falámos de tudo o que havia para falar. Havia nela um desassombro antigo e ainda uma inteligência maliciosa.

De repente, a casa ficou sem mais ninguém e, no meio das nossas palavras, o silêncio era concreto como os frutos que estavam na fruteira. Quando se erguia, a voz dela, magnética como um íman que atraísse o mundo, dizia exactidão, êxtase e exaustão. E a sua atenção fazia-se tão exterior que não deixava espaço para abrir à dúvida o seu caminho. Mas a certeza dela era soletrada e feita de alertas. Para guardar aquele estar ali tão intenso, escrevi, à maneira dela, uma memória que começava: "Como num quadro de Vermeer,/ a tarde era longa, lenta, limpa/ e atenta."
(...)
Sophia morreu há cinco anos, mas a morte, que ela tinha antecipado em versos de uma beleza funda e frontal, não prevalecerá sobre os seus poemas. Estes são-nos próximos como os instantes que vivemos. Por isso, os digo muitas vezes a mim mesmo, ouvindo-os ainda na sua voz rouca e aérea. Por isso, leio a letra frágil com que me dedicou os seus livros e a sua presença demora-se em mim. Por isso, olho a fotografia do Eduardo Gageiro, que tenho dela: Sophia está sentada à mesa de trabalho, junto à janela aberta. Fuma, cisma e escreve. Lá fora, vê-se o vento atravessar a árvore e vir ao nosso encontro...

José Manuel dos Santos, in "Actual" (Expresso)

segunda-feira, 29 de junho de 2009

De um amor que se revela sofrimento


E depois é este céu cinzento,
Esta luz filtrada e escura
Onde nada é já o que sonhámos
Onde nada é eterno, nada dura.

E és tu debruçada na janela
Abandonada a esse triste pensamento
De uma vida desfeita de tão fria
De um amor que se revela sofrimento.

E é tudo o que sonhámos em abraços
No meio de dois beijos prometidos
E é o nada em que agora nos amamos
Perdidos em futuros não cumpridos.



domingo, 21 de junho de 2009

Nos degraus do cais, em silêncio


Aproximei-me de ti; e tu, pegando-me na mão,
puxaste-me para os teus olhos
transparentes como o fundo do mar para os afogados. Depois, na rua,
ainda apanhámos o crepúsculo.
As luzes acendiam-se nos autocarros; um ar
diferente inundava a cidade. Sentei-me
nos degraus do cais, em silêncio.
Lembro-me do som dos teus passos,
uma respiração apressada, ou um princípio de lágrimas,
e a tua figura luminosa atravessando a praça
até desaparecer. Ainda ali fiquei algum tempo, isto é,
o tempo suficiente para me aperceber de que, sem estares ali,
continuavas ao meu lado. E ainda hoje me acompanha
essa doente sensação que
me deixaste como amada
recordação.

Nuno Júdice, in 'A Partilha dos Mitos'

sábado, 20 de junho de 2009

Da memória que fica delas


Em bando passam aves e eu voando vou com elas
Mas assim que aterro e quebro as asas
Recolho-me à sombra, que não das aves,
Das aves não
Mas da memória que fica delas
Passam lestas chilreando leves
E minh´alma, ninfa triste em seu novelo,
Fica só daqui a vê-lo
O bando não
Mas o que fica de passarem aves.

Arménio Vieira

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Ser céu sol e estrelas


digo que te amo
sorris e eu amo, digo que te quero
sorris e eu quero, dizes em sonhos

em sonhos que já tive, onde desejei ser céu sol e
estrelas para que te pudesse olhar eternamente

Jorge Reis-Sá, in 'A Palavra no Cimo das Águas'

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Mais do que te sei dizer



Por mais que a vida nos agarre assim
Nos troque planos sem sequer pedir
Sem perguntar a que é que tem direito
Sem lhe importar o que nos faz sentir

Eu sei que ainda somos imortais
Se nos olhamos tão fundo de frente
Se o meu caminho for por onde vais
A encher de luz os meus lugares ausentes

É que eu quero-te tanto
Não saberia não te ter
É que eu quero-te tanto
É sempre mais do que te sei dizer
Mil vezes mais do que eu te sei dizer

Por mais que a vida nos agarre assim
Nos dê em troca do que nos roubou
Às vezes fogo e mar, loucura e chão
Às vezes só a cinza que sobrou

Eu sei que ainda somos muito mais
Se nos olhamos tão fundo de frente
Se a minha vida for por onde vais
A encher de luz os meus lugares ausentes

É que eu quero-te tanto
Não saberia não te ter
É que eu quero-te tanto
É sempre mais do que te sei dizer
Mil vezes mais do que eu te sei dizer

Mafalda Veiga, in 'Chão'
(para ti, porque todos os dias (mesmo hoje) sinto isto)

segunda-feira, 8 de junho de 2009

O justo momento


"morre-se nada
quando chega a vez

é só um solavanco
na estrada por onde já não vamos

morre-se tudo
quando não é o justo momento

e não é nunca
esse momento"

Mia Couto, in 'Raiz de Orvalho e Outros Poemas'
(para a minha avó que morreu há seis meses)

segunda-feira, 1 de junho de 2009

terça-feira, 26 de maio de 2009

O Comboio ou A Varanda que via passar mulheres



Era manhã cedo em Lisboa e o comboio apitava na estação vomitando nas plataformas mulheres apressadas e homens distraídos. Mas aquele não era um comboio qualquer porque era um comboio especial. De todos os comboios que conheço era provavelmente o mais especial que havia. Vinha dos mesmos sítios que os outros e ia para os mesmos sítios que os outros. Mas era especial no meio de todos porque nenhum ambicionava nada enquanto aquele ambicionava tudo. E o seu maior sonho era ser um barco e navegar pelos mares.
Era manhã cedo em Lisboa e o comboio apitava na estação vomitando nas plataformas mulheres apressadas e homens distraídos. E no alto daquele prédio cor de tempos passados, uma varanda tímida espreitava as mulheres que passavam, apressadas, e sentia o íntimo desejo de ter nascido como elas, mutantes, velozes, portáteis!
E sempre que era manhã cedo em Lisboa e o comboio apitava na estação, varanda e comboio trocavam sonhos e desejos vivendo entre os dois a partilha de uma fantasia que os transformava respectivamente em barco e mulher à deriva pelo mar. E riam-se da pressa das mulheres e da distracção dos homens que não percebiam nada e que não aproveitavam os barcos e os mares para fugir ou para sonhar!
Desta rotina nasceu obviamente um amor enorme da varanda pelo comboio. E quando ele por alguma razão não vinha, a triste varanda perdia-se em divagações românticas e em ciúmes enlouquecidos, imaginando que o comboio era finalmente um barco e que alguma daquelas mulheres que ele transportava tinha descoberto o caminho directo para o seu coração... Aquele sofrimento era feroz e durava até à próxima manhã em que, cedo, o apito ecoava pela estação. Só os pássaros que por ali pousavam testemunhavam estes desvarios e por toda a cidade já se comentava a loucura da varanda que não percebia que era apenas uma varanda!
Os tempos foram passando, o comboio foi fazer outras paragens e deu por si a fazer a linha do Estoril, ao lado do rio, e acabou mesmo por se esquecer que era comboio para se convencer que era um grande e forte barco, porque só via água!
Quanto à varanda, essa foi enlouquecendo sozinha à medida que percebeu que nunca seria mulher. A última vez que soube dela estava apaixonada por uma gaivota que ainda por cima só abusou da sua boa vontade. Hoje quando lá passo ainda olho para cima mas é raro a varanda reagir. Perdeu o juízo e agora vai deixando cair pedacinhos de si quando passa alguma mulher. Queria confortá-la mas não sei. O meu forte nunca foi varandas.
(para a Fernanda, a quem escrevi isto há algum tempo atrás.)

sábado, 23 de maio de 2009

De uma vida menos vasta


"Quando se tiver diminuído o mais possível as servidões inúteis, evitado as desgraças desnecessárias, continuará a haver sempre, para manter vivas as virtudes heróicas do homem, a longa série de verdadeiros males, a morte, a velhice, as doenças incuráveis, o amor não correspondido, a amizade recusada ou traída, a mediocridade de uma vida menos vasta que os nossos projectos e mais enevoada que os nossos sonhos: todas as infelicidades causadas pela divina natureza das coisas."

Marguerite Yourcenar
(obrigado Filipe, pela sugestão)

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Até Sempre, meu Amigo.

Foto by Luís Filipe Catarino

Tive o privilégio de conhecer pessoalmente João Bénard da Costa porque durante os útimos três anos ele foi Presidente e eu vogal das Comissão das Comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. Sempre que estivemos juntos, ele ensinou-me muito e eu aprendi muito. Com uma disponibilidade invulgar num homem da sua dimensão, Bénard da Costa nunca se impacientou com as minhas perguntas ou com a minha falta de respostas. Pelo contrário, guiou-me, dirigiu-me, orientou-me na procura incessante de conhecimento que era sua e que rapidamente me contagiou. E a preparação das Comemorações era sempre entusiasmante pelas coisas que ano após ano eu ia descobrindo por seu intermédio.
Portugal continua, as Comemorações também. Só Bénard da Costa está ausente. Este ano, em Santarém, vou sentir falta das nossas conversas. Até sempre, meu Amigo.

Poema em ziguezague


Afecto,
tormenta
taciturna.

Casa
deserta,
vazia.

Tenho para mim que te esqueço em menos de um dia.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Paisagem


Trago nos olhos cansaços de uma paz que não chega
E há na tua voz um sobressalto que esconde tréguas tardias
Perdemos o futuro em perdões adiados
Nada mexe já na paisagem de fim de tarde.

Cá dentro o silêncio, o abandono, a esperança.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Da espera


"em fuga.
quero o teu corpo todo em mim
tantas vezes quanto o corpo nos permitir
e adormecer depois com o cansaço quente como almofada
de seda e prazer

único.
depois da alucinação a frustração da espera
e este o último poema que escrevo para ti?
ou o primeiro momento na longa queda deste outono oxigenado?

toma conta de mim este som sangue sinal"


M. Tiago Paixão

terça-feira, 19 de maio de 2009

Se bastasse

"Ai meu amor se bastasse
Saberes que eu te amo tanto
E cada vez que eu cantasse
Ai meu amor se bastasse
Saberes que é por ti que eu canto

Ai meu amor se bastasse
O que a cantar eu consigo
E mesmo que eu não cantasse
Ai meu amor se bastasse
O que a falar eu não digo

Ai meu amor se bastasse
Eu saber que não te basta
E na vida que eu gastasse
A Cantar eu reparasse
Que a nossa vida está gasta

Se o que eu tenho p'ra te dar
Quando eu canto te chegasse
Se isso pudesse bastar
Se me bastasse cantar
Ai meu amor se bastasse."
Manuela de Freitas por Aldina Duarte