sexta-feira, 26 de março de 2010

No cimo das coisas


"nos dias tristes não se fala de aves
liga-se aos amigos e eles não estão
e depois pede-se lume na rua
como quem pede um coração
novinho em folha.

nos dias tristes é inverno
e anda-se ao frio de cigarro na mão
a queimar o vento
e diz-se bom dia!
às pessoas que passam
depois de já terem passado
e de não termos reparado nisso

nos dias tristes fala-se sozinho
e há sempre uma ave que pousa
no cimo das coisas
em vez de nos pousar no coração
e não fala connosco."

Filipa Leal

quarta-feira, 24 de março de 2010

Morrer tudo com a tua morte



"(...) O que mais me intriga e dói na nossa morte, como vemos na dos outros, é que nada se perturba com ela na vida normal do mundo. Mesmo que sejas uma personagem histórica, tudo entra de novo na rotina como se nem tivesses existido. O que mais podem fazer-te é tomar nota do acontecimento e recomeçar. Quando morre um teu amigo ou conhecido, a vida continua natural como se quem existisse para morrer fosses só tu. Porque tudo converge para ti, em quem tudo existe, e assim te inquieta a certeza de que o universo morrerá contigo. Mas não morre. Repara no que acontece com a morte dos outros e ficas a saber que o universo se está nas tintas para que morras ou não. E isso é que é incompreensível - morrer tudo com a tua morte e tudo ficar perfeitamente na mesma. Tudo isto tem significado para o teu presente. Mas recua duzentos anos e verás que nada disto tem já significado. "
Vergílio Ferreira, in 'Escrever'
(porque hoje acordei com pensamentos menos felizes)

quarta-feira, 17 de março de 2010

Para que não se extinga o seu lume


"Escuta, escuta: tenho ainda
uma coisa a dizer.
Não é importante, eu sei, não vai
salvar o mundo, não mudará
a vida de ninguém - mas quem
é hoje capaz de salvar o mundo
ou apenas mudar o sentido
da vida de alguém?
Escuta-me, não te demoro.
É coisa pouca, como a chuvinha
que vem vindo devagar.
São três, quatro palavras, pouco
mais. Palavras que te quero confiar,
para que não se extinga o seu lume,
o seu lume breve.
Palavras que muito amei,
que talvez ame ainda.
Elas são a casa, o sal da língua."

Eugénio de Andrade

sábado, 6 de março de 2010

O teu sorriso



O que espero da vida?
O teu sorriso ao acordar.