quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Welcome guest


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"Thy hand, Belinda, darkness shades me,
On thy bosom let me rest,
More I would, but Death invades me;
Death is now a welcome guest.
When I am laid in earth,
May my wrongs create
No trouble in thy breast;
Remember me, but ah! forget my fate."

Henry Purcell, in 'Dido and Aeneas'
(versão: Janet Baker, Anthony Lewis and the English Chamber Orchestra)

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Já ao acordar estava triste

"O dia deu em chuvoso. A manhã, contudo, estava bastante azul. O dia deu em chuvoso. Desde manhã eu estava um pouco triste. Antecipação? Tristeza? Coisa nenhuma? Não sei: já ao acordar estava triste. O dia deu em chuvoso.
Bem sei: a penumbra da chuva é elegante. Bem sei: o sol oprime, por ser tão ordinário, um elegante. Bem sei: ser susceptível às mudanças de luz não é elegante. Mas quem disse ao sol ou aos outros que eu quero ser elegante? Dêem-me o céu azul e o sol visível. Névoa, chuvas, escuros - isso tenho eu em mim. Hoje quero só sossego. Até amaria o lar, desde que o não tivesse. Chego a ter sono de vontade de ter sossego. Não exageremos! Tenho efectivamente sono, sem explicação. O dia deu em chuvoso.
Carinhos? Afectos? São memórias... É preciso ser-se criança para os ter... Minha madrugada perdida, meu céu azul verdadeiro! O dia deu em chuvoso.
(...)"

Álvaro de Campos, in 'Poesia'

sábado, 26 de janeiro de 2008

Cansaço

Chegou a casa e a primeira coisa que fez foi pôr a tocar o Cansaço, de Amália Rodrigues. Sempre que ouvia esta música sentia-se um pouco melhor. SEMPRE. A sua letra, simples, retratava um estado de espírito. Revia-se nela vezes sem conta. Cansaço era talvez a palavra que mais lhe passava pela cabeça. Cansaço quando acordava. Cansaço quando se arrastava para fora da cama. Cansaço quando saía de casa. Cansaço quando trabalhava quase mecanicamente. Cansaço quando voltava a casa ao fim do dia. Cansaço. Um cansaço intrínseco, real, palpável, que o paralisava, que tolhia, que impedia. Era um profundo desencanto com o mundo, com a vida. Era o ter tudo e não ter nada. Mas era também o não querer nada. Nem ninguém.
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"Daí este meu casanço/ de sentir que quanto faço/ não é feito só por mim".

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Trago os meus sonhos perdidos

"Trago fados nos sentidos
Tristezas no coração
Trago os meus sonhos perdidos
Em noite de solidão
Trago versos trago sons
Duma grande sinfonia
Tocada em todos os tons
Da tristeza e da agonia
Trago amarguras ao molhos
Lucidez e desatinos
Trago secos os meu olhos
Que choram desde meninos
Trago noites de luar
Trago planícies de flores
Trago o céu e trago o mar
Trago dores ainda maiores"
Amália Rodrigues por Cristina Branco, in 'Live'

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Uma tristeza de todo o ser

"(...) Nessas horas lentas e vazias, sobe-me da alma à mente uma tristeza de todo o ser, a amargura de tudo ser ao mesmo tempo uma sensação minha e uma coisa externa, que não está em meu poder alterar. Ah, quantas vezes os meus próprios sonhos se me erguem em coisas, não para me substituírem a realidade, mas para se me confessarem seus pares em eu os não querer, em me surgirem de fora, como o eléctrico que dá a volta na curva extrema da rua, ou a voz do apregoador nocturno, de não sei que coisa, que se destaca, toada árabe, como um repuxo súbito, da monotonia do entardecer!
(...)"


Bernardo Soares, in 'Livro do Desassossego'

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

The promise of life

"Dearest Cecilia,
the story can resume. The one I had been planning on that evening walk. I can become again the man who once crossed the surrey park at dusk, in my best suit, swaggering on the promise of life. The man who, with the clarity of passion, made love to you in the library. The story can resume. I will return. Find you, love you, marry you and live without shame."


Ian McEwan, in 'Atonement'

domingo, 20 de janeiro de 2008

Até os meus sonhos

"Nada me prende a nada.
Quero cinquenta coisas ao mesmo tempo.
Anseio com uma angústia de fome de carne
O que não sei que seja -
Definidamente pelo indefinido...
Durmo irrequieto, e vivo num sonhar irrequieto
De quem dorme irrequieto, metade a sonhar.
Feharam-me todas as portas abstractas e necessárias.
Correram cortinas por dentro de todas as hipóteses que eu poderia ver da rua
Não há travessa achada o número de portas que me deram.
Acordei para a mesma vida para que tinha adormecido.
Até os meus exércitos sonhados sofreram derrota.
Até os meus sonhos se sentiram falsos ao serem sonhados.
Até a vida só desejada me farta - até essa vida...
(...)"


Álvaro de Campos, in 'Poesias'

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Hasta tu lado

"Gracias a tu cuerpo doy
Por haberme esperado
Tuve que perderme pa'llegar hasta tu lado
Gracias a tus brazos doy
Por haberme alcanzado
Tuve que alejarme pa'llegar hasta tu lado
Gracias a tus manos doy
Por haberme aguantado
Tuve que quemarme
Pa'llegar hasta tu lado"

Lhasa de Sela, in 'The living road'

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

As coisas possíveis


"Se me comovesse o amor como me comove
a morte dos que amei, eu viveria feliz. Observo
as figueiras, a sombra dos muros, o jasmineiro
em que ficou gravada a tua mão, e deixo o dia
caminhar por entre veredas, caminhos perto do rio.
Se me comovessem os teus passos entre os outros,
os que se perdem nas ruas, os que abandonam
a casa e seguem o seu destino, eu saberia reconhecer
o sinal que ninguém encontra, o medo que ninguém
comove. Vejo-te regressar do deserto, atravessar
os templos, iluminar as varandas, chegar tarde.
Por isso não me procures, não me encontres,
não me deixes, não me conheças. Dá-me apenas
o pão, a palavra, as coisas possíveis. De longe.

Francisco José Viegas, in 'Se me Comovesse o Amor'

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

No sé si necesito tenerte o perderte


"(...)

Quisiera amarte menos
No verte más quisiera
Salvarme de esta hoguera
Que no puedo resistir.
No quiero este cariño
Que no me da descanso
Pues sufro si te alcanzo
Y lejos no sé vivir,
Quisiera amarte menos
Porque esta ya no es vida
Mi vida está perdida
De tanto quererte,
No sé si necesito
Tenerte o perderte
Yo se que te he querido
Más de lo que he podido
Quisiera amarte menos
Buscando el olvido
Y en vez de amarte menos,
Te quiero mucho mas!...
(...)"


Luis César Amadori por Chavela Vargas, in 'Volver Volver'

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Espelho assíncrono

"Deixei que a escuridão me tomasse o olhar. Esperei que a imagem no espelho recuperasse o tempo próprio dos gestos que eu simulava do outro lado do quarto (coisa mais estranha, um espelho assíncrono, pensei). Todavia, tinha sido engraçado, e até estimulante, verificar como os meus gestos eram lentos (e eu queria que fossem rápidos), tornados ainda mais lentos pelo desfasamento entre o momento em que eram executados e o posterior momento em que, tal como num filme, os via naquele espelho pousado na parede, do outro lado do quarto.
A dada altura, não sei muito bem quando, os meus gestos tornaram-se, de facto, concomitantes (aquém e além do espelho), aprisionados em reflexões fugazes e animadas pelo meu movimento contínuo. Foi nessa altura que peguei no revólver e despachei o assunto. Dei um tiro no meu próprio reflexo, no sítio onde era suposto estar o coração (a sua imagem reflectida, pensei mal, a imagem reflectida de um pullover azul sob o qual deveria estar: pele, costelas, músculos, pulmões e, talvez, um coração, pensei melhor). Os vidros estilhaçados (que agora repousam no caixote do lixo da cozinha) são a prova de uma tentativa de assassinato (e não de suicídio). Tentativa, digo bem: ainda aqui estou, vivo e castigado pelo cinto do meu pai. O espelho era novo, vou ter que pagá-lo com a minha mesada."

Francisco Curate, in 'Daedalus'

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Intermitência


"É a intermitência do sono que nos permite aguentar os dias de trabalho. Muitas das minhas recordações desvaneceram-se ao evocá-las, ficaram em pó como um vidro irremediavelmente ferido.
(...) Não vivi, talvez em mim mesmo; vivi, talvez, a vida dos outros. (...) A minha vida é uma vida feita de todas as vidas - as vidas do poeta."


Pablo Neruda in 'Confesso que Vivi'

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Llorando

"Yo estaba bien por un tiempo
volviendo a sonrire
luego anoche te vi
tu mano me tuco y el saludo de tu voz
te hable muy bien y tu sin saber que estado
llorando por tu amor
llorando por tu amor
llorando por tu amor
luego de tu adios senti todo mi dolor
sola y llorando llorando llorando
no es facil d’entender que al verte otra vez
yo este llorando
Yo que pense que te olvide
pero es verdad es la verdad
que te quiero aun mas mucho mas que ayer
dime tu que puedo hacer no me quieres ya
y siempre estare
llorando por tu amor
llorando por tu amor
tu amor se llevo todo mi corazon
y quedo llorando
llorando
llorando
llorando
llorando
llorando por tu amor"

"Llorando" por Rebekah del Rio, in 'Mulholland Drive'

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Vastness of eternity

"Men are hunted by the vastness of eternity, and so we ask ourselves, will our actions echo acroos the centuries? will strangers hear our names and wonder who we were? how bravely we fought? how fiercely we loved?"
in 'Troy'

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Horizonte firme



"Ah, quem me dera
Ir-me contigo agora
A um horizonte firme, comum
Embora amar-te
Ah, quem me dera amar-te
Sem mais ciúmes
De alguém em algum lugar
Que nem presumes
Ah, quem me dera ver-te
Sempre a meu lado
Sem precisar dizer-te
Jamais contado
Ah, quem me dera ter-te
Como um lugar
Plantado num chão verde
Para eu morar-te
Ah, quem me dera ter-te
Morar-te até morrer-te"




Vinícius de Morais



terça-feira, 1 de janeiro de 2008

2008




"A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca e que, esquivando-nos do sofrimento, perdemos também a felicidade."




Carlos Drummond de Andrade (obrigado Suntas)