quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

O calor da mesma fé

Meus queridos amigos, Daqui, de tão longe, deste lugar sem Natal, desejo a todos umas Boas Festas. Esta foi provavelmente a mais estranha consoada de que tenho memória. Provavelmente porque não houve consoada. Procurei em vão por uma igreja para, em comunidade, poder viver esta Noite Feliz. Acabei num restaurante italiano a comer uma pizza e a beber uma cerveja. Achei que os sabores ocidentais me aproximariam mais do nosso mundo e das nossas tradições. Enganei-me. O Natal passa-se entre os que mais se ama... É esse o factor que faz toda a diferença. Na noite passada faltaram-me os meus pais, os meus irmãos, os meus amigos, e todos aqueles de quem gosto. Faltou-me a certeza de um lar. Faltaram os abraços e os sorrisos. Faltou o calor da mesma fé e a alegria partilhada do Milagre do Nascimento. Foi um Natal sem Natal. E ainda que a opção tenha sido minha, não consegui evitar uma lágrima quando pensei que estava tão longe de todos. Com saudades

Pedro

My world is changing



"Where are you Christmas
Why can't I find you
Why have you gone away
Where is the laughter
You used to bring me
Why can't I hear music play
My world is changing
I'm rearranging
Does that mean Christmas changes too
Where are you Christmas
Do you remember
The one you used to know
I'm not the same one
See what the time's done
Is that why you have let me go
Christmas is here
Everywhere, oh
Christmas is here
If you care, oh
If there is love in your heart and your mind
You will feel like Christmas all the time
I feel you Christmas
I know I've found you
You never fade away
The joy of Christmas
Stays here inside us
Fills each and every heart with love
Where are you Christmas
Fill your heart with love"

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Por detrás da tua ausência

"Não foi aqui que te encontrei. Ao primeiro olhar gostei de ti. Eras sem medida comum a realidade que me cercava. (...)
Não me tocas. Sofro a distância que nos separa. Não julgo sequer ser-me permitido agarrar-te a mão. Pouco a pouco privas-me de mim. Um outro país vence-me, uma outra língua, um ser distante. Já não sei quase nada. (...)
Esvazio-me, és o único a poder salvar-me. Adormeces demasiado depressa e acordas demasiado cedo. Não devia ter-te amado. Tu não gostas do amor. (...)
Ao ouvir-te a tua vida era vasta e densa. No entanto, por vezes, parecia-me que pelo menos uma parte de ti tinha ficado pelo caminho, morta algures ou pelo menos perdida, e que também para mim estavas morto e perdido. Tens medo dos sentimentos. Repetes as mesmas frases. Procuro-te por detrás da tua ausência. (...)"

Pedro Paixão, 'Viver todos os dias cansa'

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

E hoje, a Índia.


Começa hoje a viagem. Durante os próximos 27 dias vou estar longe. Helsínquia, Delhi, Mandawa, Bikaner, Jaisalmer, Jodhpur, Rohet, Udaipur, Jaipur, Agra, Fatehpur Sikri, Varanasi, Kathmandu, Nagarkot, e Goa são alguns dos sítios por onde vou andar. Sinto um peso no estômago face à vertigem do desconhecido. Na ida, levo Lisboa no coração. No regresso, espero trazer nos olhos as paisagens desse país que me fascina tanto. Até ao meu regresso!

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

De um amor que permanece


Um dia a minha avó Maria do Carmo perguntou-me se era feia. A minha resposta foi muito rápida: “Feia? A avó não é feia, a avó é horrorosa. Parece um camelo”. Eu devia ter uns 8 ou 9 anos mas nunca mais a minha avó deixou de repetir essa história. Penso que no fundo nunca me terá perdoado a honestidade. E eu também nunca lhe pedi perdão pelo deslize infantil. A realidade é que a minha avó não era feia. Era a única avó que eu conheci e por isso era a melhor avó do mundo. E, arrisco-me a dizer, a mais bonita.
Tínhamos uma relação muito próxima, a minha avó e eu. Ela vivia em São Paulo e eu em Lisboa, mas estávamos ligados por esse espírito de partilha que transcende distâncias e idades. Talvez ela percebesse melhor do que ninguém o meu lado cinzento.
A minha avó Maria do Carmo não era uma avó convencional. Não me fazia bolos e biscoitos. De resto, odiava cozinhar. Não me estragava com mimos nem contrariava a autoridade dos meus pais. Não era uma avó daquelas que as histórias romantizam. Mas era uma mulher admirável na sua vida austera. A minha avó não era uma mulher feliz. Nunca foi. Não tinha medo nem vergonha de o dizer. E eu entendia o que ela queria dizer. Porque o dizia sempre com uma enorme nobreza, sem comiseração. Não tinha pena de si própria. Sabia apenas que o tempo dela não era um tempo afortunado. Na dureza das suas palavras havia também um tom de desencanto perante uma vida que a traiu tantas vezes.
Conversávamos muito. Com ela aprendi que a felicidade é finita e que tudo pode mudar de um momento para o outro. Com ela aprendi que não se pode confiar muito na vida e que nunca devemos estar tranquilos em relação ao futuro. Aprendi que o amor nem sempre tem que ser simpático. Mas tem que ser fiel. E duradouro. E leal. E constante.
Ainda assim, a minha avó, que não era uma avó convencional, nunca negou afectos. Amava como uma avó deve amar. Mas com um maior sentido de dever. E de responsabilidade. Senti a sua alegria quando nos cuidados intensivos, ligada àquelas máquinas todas, me viu ao seu lado. Percebeu que tinha ido para me despedir. Mas ainda assim, no dia do meu regresso a Lisboa, fez-me acreditar que ainda a veria com vida num futuro bem próximo. Ainda nos rimos de disparates que eu disse. Combinámos ir a Fátima em Julho para rezarmos juntos. E os seus olhos brilharam quando lhe disse que me fazia muita falta. Despedi-me e parti com a certeza de que percebeu o quanto era importante para mim. Não é fácil amar quem é infeliz. Mas isso, claro, eu não lhe disse.
A minha avó vai fazer-me muita falta. Não de uma forma evidente. Mas sei que vai doer muito a sua ausência. Principalmente em Julho, quando for a Fátima rezar e perceber que ela não está comigo.
O Padre Tolentino disse-me há uns dias que “o amor não acaba e o dia não declina”. E no fim é isso que resta. A memória de um amor que permanece. A certeza de uma saudade que não vai desaparecer. Nunca.
Porque a minha avó era uma grande devota de Nossa Senhora, e porque morreu no dia 8 de Dezembro, dia de Nossa Senhora da Conceição, Padroeira de Portugal, termino com palavras que São Bernardo escreveu:

«Ó tu, quem quer que sejas, que te sentes longe da terra firme, arrastado pelas ondas deste mundo, no meio de borrascas e tempestades, se não queres soçobrar, não tires os olhos da luz desta estrela.
Se o vento das tentações se levanta, se o escolho das tribulações se interpõe em teu caminho, olha a estrela, invoca Maria.
Se és balouçado pelas vagas do orgulho, da ambição, da maledicência, da inveja, olha a estrela, invoca Maria.
Se a cólera, a avareza, os desejos impuros sacodem a frágil embarcação da tua alma, levanta os olhos para Maria.
Se, perturbado pela lembrança da enormidade dos teus crimes, confuso à vista das torpezas da tua consciência, aterrorizado pelo medo do Juízo, começas a deixar-te arrastar pelo turbilhão da tristeza, a despenhares-te no abismo do desespero, pensa em Maria.
Nos perigos, nas angústias, nas dúvidas, pensa em Maria, invoca Maria.
Que o seu nome nunca se afaste dos teus lábios, jamais abandone o teu coração; e para alcançar o socorro da intercessão de Maria, não negligencies os exemplos da sua vida.
Seguindo-A, não te transviarás; rezando a Ela, não desesperarás; pensando n’Ela, evitarás todo erro.
Se Ela te sustenta, não cairás; se Ela te protege, nada terás a temer; se Ela te conduz, não te cansarás; se Ela te é favorável, alcançarás o fim.
E assim verificarás, por tua própria experiência, com quanta razão foi dito: "E o nome da Virgem era Maria".» (
São Bernardo)


(No dia em que faço 31 anos)

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

No meu deserto


"Já disse adeus
a tanta terra, a tanta gente.
Nunca senti meu coração tão magoado,
inquieto,
por saber,
que o tempo vai passando
e tu vais esquecer o nosso Fado.
Partida, cada vez mais sombria,
cansada...
São nuvens negras
em céu azul
são ondas de naufrágio
em mar fundo.
No meu deserto não vejo abrigo
sem ter um amor neste mundo.
Mas se eu voltar e como penso, me esqueceste,
troco por outro
o coração amargurado.
tentarei não fazer mais castelos no ar
e nunca mais viver
outro Fado."

Luís de Macedo musicado por Alain Oulman, na voz de Amália Rodrigues
(para a minha avó, no dia da Missa de 7º Dia)

domingo, 14 de dezembro de 2008

A sorte de um amor tranquilo

"Eu quero a sorte de um amor tranquilo
Com sabor de fruta mordida
Nós na batida, no embalo da rede
Matando a sede na saliva
Ser teu pão, ser tua comida
Todo o amor que houver nessa vida
E algum trocado pra dar garantia

E ser artista no nosso convívio
Pelo inferno e céu de todo dia
Pra poesia que a gente não vive
Transformar o tédio em melodia
Ser teu pão, ser tua comida
Todo o amor que houver nessa vida
E algum veneno anti-monotonia

E se eu achar a sua fonte escondida
Te alcance em cheio o mel e a ferida
E o corpo inteiro feito um furacão
Boca, nuca, mão, e a tua mente, não
Ser teu pão, ser tua comida
Todo o amor que houver nessa vida
E algum remédio que me dê alegria"

Cazuza

sábado, 13 de dezembro de 2008

Caminhar vazio


"Tudo era apenas uma brincadeira
E foi crescendo, crescendo, me absorvendo
E de repente eu me vi assim completamente seu
Vi a minha força amarrada no seu passo
Vi que sem você não há caminho, eu não me acho
Vi um grande amor gritar dentro de mim como eu sonhei um dia
Quando o meu mundo era mais mundo
E todo mundo admitia uma mudança muito estranha
Mais pureza, mais carinho mais calma, mais alegria
No meu jeito de me dar
Quando a canção se fez mais clara e mais sentida
Quando a poesia realmente fez folia em minha vida
Você veio me falar dessa paixão inesperada por outra pessoa
Mas não tem revolta não, só quero que você se encontre
Saudade até que é bom, é melhor que caminhar vazio
A esperança é um dom que eu tenho em mim, eu tenho sim
Não tem desespero não, você me ensinou milhões de coisas
Tenho um sonho em minhas mãos, amanhã será um novo dia
Certamente eu vou ser mais feliz"

Caetano Veloso

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Só a dor que me reparte


"Viajei por toda a Terra
desde o norte até ao sul;
em toda a parte do mundo
vi mar e céu azul

Em toda a parte vi flores
romperem do pó do chão,
universais, como as dores
do mundo
que em toda a parte se dão.

Vi sempre estrelas serenas
e as ondas morrendo em espuma.
Todo o Sol um Sol apenas,
e a Lua sempre só uma.

Diferente de quanto existe
só a dor que me reparte.
Enquanto em mim morro triste,
nasço alegre em toda a parte."

António Gedeão

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Todas as noites do mundo numa só noite comprida


"A noite trocou-me os sonhos e as mãos
dispersou-me os amigos
tenho o coração confundido e a rua é estreita
estreita em cada passo
as casas engolem-nos
sumimo-nos
estou num quarto só num quarto só
com os sonhos trocados
com toda a vida às avessas a arder num quarto só
Sou um funcionário apagado
um funcionário triste
a minha alma não acompanha a minha mão
(...)
Por que me sinto irremediavelmente perdido no meu cansaço
Soletro velhas palavras generosas
Flor rapariga amigo menino
irmão beijo namorada
mãe estrela música
São as palavras cruzadas do meu sonho
palavras soterradas na prisão da minha vida
isto todas as noites do mundo numa só noite comprida
num quarto só"



António Ramos Rosa

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

O sentimento da desolação que me enche e me avassala


"Beber a vida num trago, e nesse trago
Todas as sensações que a vida dá
Em todas as suas formas [...]
................................................
Dantes eu queria
Embeber-me nas árvores, nas flores,
Sonhar nas rochas, mares, solidões.
Hoje não, fujo dessa ideia louca:
Tudo o que me aproxima do mistério
Confrange-me de horror. Quero hoje apenas
Sensações, muitas, muitas sensações,
De tudo, de todos neste mundo — humanas,
Não outras de delírios panteístas
Mas sim perpétuos choques de prazer
Mudando sempre,
Guardando forte a personalidade
Para sintetizá-las num sentir.
Quero
Afogar em bulício, em luz, em vozes,
— Tumultuárias [cousas] usuais —
o sentimento da desolação
Que me enche e me avassala.
Folgaria
De encher num dia, [...] num trago,
A medida dos vícios, inda mesmo
Que fosse condenado eternamente —
Loucura! — ao tal inferno,
A um inferno real."

Fernando Pessoa

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

A minha avó

A minha avó morreu esta noite. A minha querida avó. Tínhamos uma relação muito próxima, a minha avó e eu. Ela vivia em São Paulo e eu em Lisboa, mas estávamos ligados por esse espírito de partilha que transcende distâncias e idades. Talvez ela percebesse melhor do que ninguém o meu lado cinzento. A minha avó não era uma mulher feliz. Nunca foi. Não tinha medo nem vergonha de o dizer. E eu entendia o que ela queria dizer. Porque o dizia sempre com uma enorme nobreza, sem comiseração. Não tinha pena de si própria. Sabia apenas que o tempo dela não era um tempo feliz. Na dureza das suas palavras havia também um tom de desencanto com uma vida que a traiu tantas vezes. Apesar de tudo, nunca negou afectos. Amava como uma avó deve amar. Senti a sua alegria quando na semana passada me viu, nos cuidados intensivos, ligada àquelas máquinas todas. Percebeu que tinha ido para me despedir. Mas ainda assim, no dia do meu regresso a Lisboa, fez-me acreditar que ainda a veria com vida num futuro bem próximo. Ainda nos rimos de disparates que eu disse. E os seus olhos brilharam quando lhe disse que me fazia muita falta. Vai fazer-me muita falta. Não de uma forma evidente. Mas sei que vai doer muito a sua ausência.
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Maria do Carmo Pio Riscado
4 de Dezembro de 1927 - 8 de Dezembro de 2008

domingo, 7 de dezembro de 2008

Em direcção à ausência


“Nada mais suave do que arrastarmo-nos atrás dos acontecimentos; e nada mais ‘razoável’. Mas sem uma forte dose de demência não há iniciativa, nem empreendimento, nem gesto. A razão: ferrugem da nossa vitalidade. É o louco que há em nós que nos força à aventura; se nos abandonar, estaremos perdidos; (…)
Não se pode ser ‘normal’ e estar vivo ao mesmo tempo. Se me mantenho em posição vertical e me preparo para preencher o próximo instante, se, em suma, concebo o futuro, é porque intervém um oportuno desvario do meu espírito.
Quando me torno sensato, tudo me intimida: deslizo em direcção à ausência, a fontes que não se dignam jorrar, a essa prostração que a vida deve ter conhecido antes de conceber o movimento, atinjo, à força de cobardia, o fundo das coisas, encurralado à beira de um abismo contra o qual nada posso e que me isola do futuro”.

E.M. Cioran, in 'A Tentação de Existir'
via 'Melancómico'

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

A secura humana do meu coração


"Reconheço, não sei se com tristeza, a secura humana do meu coração. Vale mais para mim um adjectivo que um pranto real da alma. (...)
Mas às vezes sou diferente, e tenho lágrimas, lágrimas das quentes dos que não têm nem tiveram mãe; e meus olhos que ardem dessas lágrimas mortas ardem dentro do meu coração. (...)"

Bernardo Soares, in 'Livro do Desassossego'

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Da vida uma aventura errante


"De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente."

'Soneto da Separação', de Vinícius de Moraes
(No dia em que regresso a Lisboa. A Avó continua ligada a uma máquina. Não morreu mas também não melhorou. Dizem-nos que não há mais nada a fazer. Que só temos que esperar que o coração falhe e que chegue ao fim o sofrimento em que ela está. Despedi-me e parto com a certeza de que lhe disse o quanto ela era importante para mim. Não é fácil amar quem é infeliz. Mas isso, claro, eu não lhe disse.)

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Na teia incerta das coisas

"Várias vezes, no decurso da minha vida opressa por circunstâncias, me tem sucedido, quando quero libertar-me de qualquer grupo delas, ver-me subitamente cercado por outras da mesma ordem, como se houvesse definidamente uma inimizade contra mim na teia incerta das coisas.
Arranco do pescoço uma mão que me sufoca. Vejo que na mão, com que a essa arranquei, me veio preso um laço que me caiu no pescoço com o gesto de libertação. Afasto, com cuidado, o laço, e é com as próprias mãos que me quase estrangulo."

Bernardo Soares, in 'Livro do Desassossego'