terça-feira, 31 de outubro de 2006
Facto
segunda-feira, 30 de outubro de 2006
Sagrado
"(...) Mas do que eu mais gosto é de quando me acompanhas em passeio. Às vezes saio só, mas tu vens ter comigo ao caminho. Ou de relembrar-te outrora quando te via passar. Havia em ti uma sacralidade intocável, na tua anca fina ondeando por entre outras raparigas. E essas jovens eu sentia que as podia tocar sem estremecer, sem uma grande distância até elas. Mas a ti envolvia-te um halo numinoso e eu sentia que num gesto meu ia a tua profanação sacrílega, qualquer coisa assim como creio já ter dito. Violar o sagrado de ti, que odioso prazer na minha violência. Transpor a enorme distância que ia da minha condição terrestre à tua sacralidade e para lá dela ao teu corpo. Via-te às vezes com outras mulheres e sentia bem que não eras da sua condição. Porque elas eram materiais concretas manipuláveis e tu eras de uma outra ordem de se ser. Como uma deusa que estivesse de passagem, jamais te falei assim porque tu ignoravas o que havia em ti de transcendência e querias que não houvesse e eu fosse mais quotidiano e talvez que te magoasse. Querias ser real para mim e que eu praticasse a tua realidade. Talvez que se te batesse, palavra, às vezes penso, no desespero de relembrar quanto te amei para além de ti e quanto tu querias que não. (...)"
Vergílio Ferreira, in 'Cartas a Sandra'
domingo, 29 de outubro de 2006
quinta-feira, 26 de outubro de 2006
Espera
Para todos nós descerá a noite e chegará a diligência. Gozo a brisa que me dão e a alma que me deram para gozá-la, e não interrogo mais nem procuro."
quarta-feira, 25 de outubro de 2006
Estarei contigo
in "Que Falta Você Me Faz" por Maria Bethânia
terça-feira, 24 de outubro de 2006
O segredo do futuro
(Roubado daqui)
quinta-feira, 19 de outubro de 2006
Intemporal
Sempre me achaste um fraco. E de facto ao pé de ti eu era vulnerável. Quebraste as barreiras do meu isolamento e com isso destruíste-me as defesas. Na altura, disseste, era o preço a pagar pelo teu amor. Nunca fomos felizes e ainda assim, a tua morte acabou por tornar-se na forma de me pertenceres para sempre. Porque me apropriei da tua memória e agora sinto que só a mim me pertences. É irónico, não é? Enquanto viveste nunca conseguimos realmente pertencer um ao outro. E agora já não há nada que te arranque de mim porque a tua existência tornou-se intemporal. Há noites em que sei perfeitamente que estás ao meu lado, porque sinto o teu calor, porque ouço o teu respirar e até consigo tocar-te. Imagino-me a percorrer o teu corpo com as minhas mãos, com um toque suave que te causa arrepio. E tu a deixares-te amar de um modo confortável e descomprometido, como nunca fizeste."
quarta-feira, 18 de outubro de 2006
Cansaço
"La mort est à mes yeux aujourd'hui
Comme la guérison pour le malade,
Comme de sortir après avoir souffert.
La mort est à mes yeux aujourd'hui
Comme le parfum de la myrrhe,
Comme de s'asseoir sous un dais un jour où souffle la brise.
La mort est à mes yeux aujourd'hui,
Comme le parfum du lotus,
Comme de s'asseoir sur la rive du pays de l'ivresse.
La mort est à mes yeux aujourd'hui
Comme le chemin de la pluie battante,
Comme le retour du soldat à la maison.
La mort est à mes yeux aujourd'hui
Comme une éclaircie dans le ciel,
Comme de comprendre une énigme.
La mort est à mes yeux aujourd'hui
Comme le désir d'un homme de revoir sa maison
Après de longues années de captivité."
(1990 AC, aproximadamente)
terça-feira, 17 de outubro de 2006
Burning Heart
Could he daily feel a stab of hunger for her and find nourishment in the very sight of her? I think so. Would she see through the bars of his plight and ache for him?”
segunda-feira, 16 de outubro de 2006
Infância
sexta-feira, 13 de outubro de 2006
Fragilidade
quarta-feira, 11 de outubro de 2006
Realista
Se não fosse o sonhar sempre, o viver num perpétuo alheamento, poderia, de bom grado, chamar-me um realista, isto é, um indivíduo para quem o mundo exterior é uma nação independente. Mas prefiro não me dar nome , ser o que sou com uma certa obscuridade e ter comigo a malícia de me não saber prever."
terça-feira, 10 de outubro de 2006
Inocência
segunda-feira, 9 de outubro de 2006
Para ti
Crepúsculo
"Tão abstracta é a ideia do teu ser
Que me vem de te olhar, que, ao entreter
Os meus olhos nos teus, perco-os de vista,
E nada fica em meu olhar, e dista
Teu corpo do meu ver tão longemente,
E a ideia do teu ser fica tão rente
Ao meu pensar olhar-te, e ao saber-me
Sabendo que tu és, que, só por ter-me
Consciente de ti, nem a mim sinto.
E assim, neste ignorar-me a ver-te, minto
A ilusão da sensação, e sonho,
Não te vendo, nem vendo, nem sabendo
Que te vejo, ou sequer que sou, risonho
Do interior crepúsculo tristonho
Em que sinto que sonho o que me sinto sendo."
domingo, 8 de outubro de 2006
Infinito da tua perfeição
sexta-feira, 6 de outubro de 2006
Partida
"A hora da partida soa quando
Escurece o jardim e o vento passa,
Estala o chão e as portas batem, quando
A noite cada nó em si deslaça.
A hora da partida soa quando
As árvores parecem inspiradas
Como se tudo nelas germinasse.
Me é estranha e longínqua a minha face
E de mim se desprende a minha vida."
Sophia de Mello Breyner, in 'Poesias'
terça-feira, 3 de outubro de 2006
Outro
"Não sei quem sou, que alma tenho. Quando falo com sinceridade não sei com que sinceridade falo. Sou váriamente outro do que um eu que não sei se existe (se é esses outros). Sinto crenças que não tenho. Enlevam-me ânsias que repudio. A minha perpétua atenção sobre mim perpétuamente me ponta traições de alma a um carácter que talvez eu não tenha, nem ela julga que eu tenho. Sinto-me múltiplo. Sou como um quarto com inúmeros espelhos fantásticos que torcem para reflexões falsas uma única anterior realidade que não está em nenhuma e está em todas. Como o panteísta se sente árvore [?] e até a flor, eu sinto-me vários seres. Sinto-me viver vidas alheias, em mim, incompletamente, como se o meu ser participasse de todos os homens, incompletamente de cada [?], por uma suma de não-eus sintetizados num eu postiço."
segunda-feira, 2 de outubro de 2006
Pedra Escura
"Dói-me esta água, este ar que se respira,
dói-me esta solidão de pedra escura,
e estas mãos noturnas onde aperto os meus dias
quebrados na cintura."
Segredos
"Meu amor, porque me prendes?
Meu amor, tu não entendes,
Eu nasci para ser gaivota.
Meu amor, não desesperes,
Meu amor, quando me queres
Fico sem rumo e sem rota.
Meu amor, eu tenho medo
De te contar o segredo
Que trago dentro de mim.
Sou como as ondas do mar,
Ninguém as sabe agarrar,
Meu amor, eu sou assim.
Fui amada, fui negada,
Fugi, fui encontrada,
Sou um grito de revolta.
Mesmo assim, porque te prendes?
Foge de mim, não entendes?
Eu nasci para ser gaivota. "