segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Que a noite fosse eterna

"Hoje estou quase bêbado de tristeza. Profundamente só, vou-me perdendo na noite. Estou vencido e massacrado, como não calculas. Desejaria que a noite fosse eterna , que o céu sorrisse pela boca das estrelas, (...). Seria pedir de mais, eu sei. O meu destino de homem, talvez de pária, não deve comportar desejos etéreos. Assim, resta-me converter a dor ao credo das palavras. É, de facto, demasiado doloroso não ter um pedaço de manhã guardado para uma alegria, é mesmo quase humilhante de tão cruel. Mas parece que convém continuar. Ou pelo menos fingir que a angústia não é connosco. «Tudo, menos a piedade...» (diria o Álvaro de Campos). E diria certo. Mas, às vezes, o coração contorce-se e é necessário sangrar. Como hoje, dia igual a tantos outros que já nem sei bem se chegaram a passar. Ia dizer avante! e encontrei-me a sorrir. Acontece-me sempre isto, quando tento projectar-me num espaço ou num tempo. Qualquer dia de tão irreal, talvez acorde homem. Talvez me cresçam certezas na boca... (...)."

José Bação Leal, in 'Poesias e Cartas'

Sem comentários: