"Procurou no bolso os comprimidos para dormir que o deixavam absolutamente inconsciente. Não os tinha tomado durante o vôo porque sabia que eram só duas horas. Mas agora, que estava quase a aterrar, apetecia-lhe desligar o cérebro por um instante que fosse... Ao mexer no bolso reparou que tinha trazido a carta, a carta dela que tinha dado origem a tudo. Releu-a uma vez mais:
"Meu bom Peter, queria tanto escrever bonito para tornar mais fácil tudo o que tenho para te dizer. Há já uns dias que ando para te falar mas falta-me a voz. O melhor mesmo é deixar-me de rodeios e escrever. Já não se usa escrever cartas, pois não? Olha, acabou. Acabou, percebes? Acabou tudo! Não quero mais. Estou cansada de vivermos assim. Quero mais. Quero-te aqui. Ou talvez não te queira aqui e isso provavelmente significa que não te quero de todo. Quero o teu sorriso rasgado e os teus olhos brilhantes mas não quero o teu sarcasmo nem o teu desencanto com a vida. Quero as tuas mãos no meu corpo e os teus lábios no meu pescoço mas não quero as tuas lágrimas durante a noite nem o teu cansaço quando acordas. Ah, se eu soubesse o que quero... Se querer-te fosse fácil... Se, se... E no entanto quero-te. Por isso parto. Vou-me embora. Parto para Lhasa dentro de três dias. Não me sigas por favor. Deixa-me ir e querer-te ao longe. Deixa-me viver na distância o que não consigo partilhar. Deixa-me enlouquecer, esquecendo-te todos os dias um pedaço. Vive! Um beijo. Dos bons.""
7 comentários:
Estranho. Aliás, o Amor é um lugar estranho.
Gostar de alguém e não o querer; não querer o seu sofrimento. Isso não é Amar...
há pessoas que não sabem nada...
Já alguém dizia que o amor é um lugar estranho. Mas muitas das vezes somos nós próprios que estragamos o que tinhamos e o que temos e depois ou já é tarde ou como diz o melhor é amar ao longe...
Que texto perturbante para os seguidores DaInquietude...
Pois eu acredito que amar é respeitar-se a si e ao outro.
E há alturas na vida em que saber amar é tomar a decisão corajosa de se afastar do outro, para o bem comum.
É triste, talvez injusto e dói muito, mas no final é a melhor decisão em nome de duas existências felizes.
Tão bom será quando soubermos como evitar os desencontros, quando soubermos convergir na mesma direcção, quando soubermos escutar os sinais, quando deixarmos de ter medo... e aí tudo será mais fácil... será tempo de soltar amarras, tempo de embarcar no desconhecido... tempo de perdermo-nos em nós e esquecer todo o peso que carregamos... e voltar a sermos encontrados...
Gonçalo Plaza... Palavras sábias!
Tanto tempo que estive sem garimpar a "blogosfera" e cheguei ao teu por conta de um poema do Pessoa (De Te Amar Porque Te Vi)...
Não li tudo, confesso-te, mas este texto bastou para eu querer voltar, sempre que possível...
Estou a passar por algo semelhante justo agora, com ela partindo, sem dizer tais palavras, mas se estas tuas fossem dela, caberiam no contexto...
Acho que tudo se completa com o comentário do Gonçalo Plaza, sobre perder-se... Ela indo se perder e eu aqui, perdido.
Bom... do caos vem uma nova ordem, nas dificuldade é onde crescemos.
...Há uma banda cá no Brasil, chamada Bidê ou Balde, eles têm uma música cujo o título é "É Sempre Amor Mesmo Que Mude".
Abraço e saudações brasileiras!
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