sábado, 1 de novembro de 2008

Nem alegre nem triste


"Viver uma vida desapaixonada e culta, ao relento das ideias, lendo, sonhando, e pensando em escrever, uma vida suficientemente lenta para estar sempre à beira do tédio, bastante meditada para se nunca encontrar nele. Viver essa vida longe das emoções e dos pensamentos, só no pensamento das emoções e na emoção dos pensamentos. Estagnar ao sol, douradamente, como um lago obscuro rodeado de flores. Ter, na sombra, aquela fidalguia da individualidade que consiste em não insistir para nada com a vida. Ser no volteio dos mundos como uma poeira de flores, que um vento incógnito ergue pelo ar da tarde, e o torpor do anoitecer deixa baixar no lugar de acaso, indistinta entre coisas maiores. Ser isto com um conhecimento seguro, nem alegre nem triste, reconhecido ao sol do seu brilho e às estrelas do seu afastamento.
Não ser mais, não ter mais, não querer mais... A música do faminto, a canção do cego, a relíquia do viandante incógnito, as passadas no deserto do camelo vazio sem destino..."

Bernardo Soares, in 'Livro do Desassossego'

3 comentários:

Hugo Pécurto disse...

Querer e Ter!
Ser, já é por si só uma grande conquista.

m.m. disse...

Este comentário, de tão cliché, mancha o texto de Pessoa que, por sinal, é bom!

Pedro disse...

Ser é uma grande conquista? Meu Deus, tanta sabedoria!

(eu desconheço alguém que não seja)