domingo, 23 de novembro de 2008

Sonhos que me esqueci de sonhar até ao fim


"É nobre ser tímido, ilustre não saber agir, grande não ter jeito para viver.
Só o Tédio, que é um afastamento, e a Arte, que é um desdém, douram de uma semelhança de contentamento a nossa.
Fogos-fátuos que a nossa podridão geral, são ao menos luz nas nossas trevas.
Só a infelicidade elementar e o tédio puro das infelicidades contínuas, é heráldico como o são descendentes de heróis longínquos.
Sou um poço de gestos que nem em mim se esboçaram todos, de palavras que nem pensei pondo curvas nos meus lábios, de sonhos que me esqueci de sonhar até ao fim.
Sou ruínas de edifícios que nunca foram mais do que essas ruínas, que alguém se fartou, em meio de construí-las, de pensar em que construía.
Não nos esqueçamos de odiar os que gozam porque gozam, de desprezar os que são alegres, porque não soubemos ser, nós, alegres como eles... Esse sonho falso, esse ódio fraco não é senão o pedestal tosco e sujo da terra em que se finca e sobre o qual, altiva e única, a estátua do nosso Tédio se ergue, escuro vulto cuja face um sorriso impenetrável nimba vagamente de segredo.
Benditos os que não confiam a vida a ninguém."

Bernardo Soares, in 'Livro do Desassossego'

1 comentário:

Gato disse...

acho que ja devorei o teu blog até ao fim...
e não se dá pelo tempo, pelas horas por nada...

a vistta enfraquece mas...
parabens. nao pares de escrever

é bom demais sentir o poder da palavra