quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Das pessoas em particular


"(...)
Era um homem já de idade e com uma inteligência incontestável. Falava do mesmo modo sincero, embora com ironia, mas uma triste ironia. Gosto da humanidade, dizia ele, mas eu próprio me admiro: quanto mais gosto da humanidade em geral, menos gosto das pessoas em particular, isto é, das pessoas em separado, das pessoas concretas. Nos meus sonhos, dizia ele, chego muitas vezes às ideias apaixonadas de servir a humanidade , se calhar, seria mesmo capaz de subir ao calvário pelas pessoas se de repente isso fosse necessário; ao mesmo tempo, sou incapaz de conviver com alguém no mesmo quarto durante dois dias, digo-o por experiência. Mal alguém fica perto de mim, logo a sua personalidade me oprime o amor-próprio e me constrange a liberdade. Sou capaz de ganhar ódio, de um dia para o outro, à melhor das pessoas: odeio este porque come devagar ao almoço, odeio aquele porque está constipado e não pára de assoar o nariz. Basta as pessoas tocarem-me ao de leve, dizia-me ele, para me tornar inimigo delas. Entretanto, continuava, sempre me sucedeu que, quanto mais detestei as pessoas em particular, tanto mais glorioso era o meu amor pela humanidade em geral. (...)"

Fiódor Dostoiévski, in 'Os irmãos Karamázov'

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