segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Um longo instante


"(...)
Um grande rio da vida correu entre nós e essa data tão distante. Mal se pode ver, se é que alguma coisa pode ver-se através de fosso tão largo. A mim parece-me ter acontecido, não direi ontem, mas hoje. O sofrimento é um longo instante. Não podemos dividi-lo em partes. Só podemos lembrar-nos dos estados de espírito e descrever o seu reaparecimento. Connosco o tempo não avança: gira. Parece contornar a dor. A paralisante imobilidade de uma vida em que todas as circusntâncias são reguladas por um padrão imutável, para que possamos comer, beber, passear, dormir e orar, ou pelo menos ajoelharmo-nos para rezar, e de acordo com as leis inflexíveis de uma fórmula férrea; esta imobilidade que torna cada horrível dia, no seu mais ínfimo pormenor, igual ao seu irmão, parece comunicar-se àquelas forças externas cuja essência é uma contínua mudança. Nada sabemos e nada podemos saber do tempo da sementeira ou da colheita, dos ceifeiros que se debruçam sobre o cereal ou dos vindimadores enfileirados entre os vinhedos, da erva do pomar tornada branca pelas flores caídas ou coberta pelos frutos. Para nós há apenas uma estação, a estação do Sofrimento. Parece que até o próprio Sol e a própria Lua nos foram tirados. Lá fora o dia pode estar azul e doirado, mas a luz que se escoa através do vidro, espessamente fosco, da pequena janela gradeada por detrás do qual nos sentamos é cinzenta e mesquinha. É sempre crepúsculo nas nossas celas, tal como é sempre meia-noite no nosso coração. E na esfera do pensamento, tanto como na esfera do tempo, não existe movimento. Aquilo que tu pessoalmente já esqueceste há muito tempo, ou podes esquecer facilmente, está a acontecer-me agora e acontecer-me-á amanhã. Lembra-te disto e assim serás capaz de compreender um pouco mais porque te escrevo desta maneira. (...)"

Oscar Wilde, in 'Carta a Bosie'

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