sexta-feira, 20 de abril de 2007

Tudo

"Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero.

(...)

Eu quero ser sempre aquilo com quem simpatizo,
Eu torno-me sempre, mais tarde ou mais cedo,
Aquilo com quem simpatizo, seja uma pedra ou uma ânsia,
Seja uma flor ou uma ideia abstracta,
Seja uma multidão ou um modo de compreender Deus.
E eu simpatizo com tudo, vivo de tudo em tudo.
São-me simpáticos os homens superiores porque são superiores,
E são-me simpáticos os homens inferiores porque são superiores também,
Porque ser inferior é diferente de ser superior,
E por isso é uma superioridade a certos momentos de visão.
Simpatizo com alguns homens pelas suas qualidades de carácter,
E simpatizo com outros pela sua falta dessas qualidades,
E com outros ainda simpatizo por simpatizar com eles,
E há momentos absolutamente orgânicos em que esses são todos os homens.
Sim, como sou rei absoluto na minha simpatia,
Basta que ela exista para que tenha razão de ser.
(...)"
Álvaro de Campos in 'Poesia'

1 comentário:

Anónimo disse...

Alvaro de Campos (FP) também se engana.
Como se pode gostar de tudo e de todos ao mesmo tempo e da mesma forma?
Esta é a vertente esquizofrénica do autor.
Gostar e não gostar ao mesmo tempo ser e não ser ao mesmo tempo...
O mundo é feito dos fortes e não dos fracos, daqueles que têm coragem para decidir e para gostar e para optar. Só deles reza a história.
Há que respeitar os fracos mas só isso.
Simpatia constante não consta do agrado dos fortes, pois às vezes é preciso não gostar, é preciso cair na realidade, é preciso separar o bom do mal.
Simpatia verdadeira é aquela que surge naturalmente quando tal se mostra adequado.
Esquizofrenia e fraqueza de Alvaro de Campos!