domingo, 29 de junho de 2008

Para eu aprender a estar só



"Porque curiosamente, onde menos te encontro é onde tu exististe. Desprendeste-te donde estiveste e é em mim que mais me acontece tu estares. Mas nem sempre. Quantos dias se passam sem tu apareceres. E às vezes penso é bom que assim seja para eu aprender a estar só. Mas de outras vezes rompes-me pela vida dentro e eu quase sufoco da tua presença. Ouço-te dizer o meu nome e eu corro ao teu encontro e digo-te vai-te, vai-te embora. Por favor. E eu sinto-me logo tão infeliz. E digo-te não vás. Fica. Para sempre. Há em mim uma luta entre o desejo de que te esqueça e o de endoidecer contigo."

Vergílio Ferreira, in 'Cartas a Sandra'

4 comentários:

Anónimo disse...

Diria que, mais do que "para aprender", seria "para me conformar a estar só"! Não há - como disse - meios caminhos. Nessas lutas hercúleas, perdemos, a maior parte das vezes, o desejo de ir em frente, de rasgar - na ambivalência terrífica de ter e não poder ou de não ter e querer -, na imensidão que nos assola, o medo de amar a todo o tempo, para que nos leve a muito mais!

PMB disse...

É fantástico como imediatamente nos apercebemos disso, ao estar na presença de um génio. Essa capacidade de pensar o emocional e racionalmente exprimir o emotivo... bem como conseguir que, qual pedra num lago, recrie uma onda de emoções (e não apenas de pensamentos) no outro é pura e simplesmente divino. Ah, e o toque é, de um certo modo, ainda mais especial quando se trata de reviver emoçoes - encarar num texto no frio cibermundo algo com que nos identifiquemos. Conseguiste-o, Virgílio. Conseguiste-o, Pedro.

João Mattos e Silva disse...

Apenas um soneto

Queria conhecer os teus segredos
e penetrar-te assim devassamente.
E ter tua vontade entre os meus dedos
e comandá-la assim seguramente.

Queria dizer - vem- e tu partires
ao meu encontro muito alegremente
e dizer-te - não venhas - e não vires
chorando um bem perdido eternamente.

Queria que me desses tão somente
um pouco da alvorada que há em ti
e a tua coerência incoerente.

Mas se apenas na noite se pressente
esses sinais dum tempo que perdi
que seja noite indefinidamente.

Com um abração

*** disse...

Que alegria saber que esteve no mundo um homem como Virgilio Ferreira.Que lindo o teu blog,Pedro.