quarta-feira, 25 de junho de 2008

Tudo quanto sentia


Olharam-se nos olhos como se fossem estranhos e nada daquilo tivesse acontecido. Depois ela começou a falar. A voz saía-lhe mais tranquila do que imaginara. Ensaiara um discurso em casa porque receava que as suas emoções a atraiçoassem e perdesse assim a oportunidade de lhe dizer tudo quanto sentia.

- Sabes, não respeitar os sentimentos dos outros é também uma forma de não gostar dos outros. Não se pode dar sinais numa direcção e depois fugir para outra. Porque és tu quem eu quero apesar de te querer devagar. Estou cansada de desencontros e de não te compreender. Porque por vezes é melhor a verdade do que a omissão. Porque gostava apenas que me dissesses cara a cara que não é nada disto, que estou enganada. Ou que me dissesses apenas que o que eu quero tu não queres.

O seu tom de voz decidido não deixava margens para dúvidas. Ele baixou os olhos, bebeu um pouco do gin que tinha nas mãos e não disse nada. No seu pensamento estava apenas o momento em que se viram pela primeira vez naquele aeroporto do Rio de Janeiro.

1 comentário:

Anónimo disse...

Ora, sem sequer ser figurante na história, eu (mero leitor sem tempos na narração) parei perante aquele "olhar" e "vi", em cada letra pensada e decidida, que não há meias opções: ou se vai ou se fica. O resto é perder-se entre alis ou acolás, como quem diz "nenhures".
Ouvimos dois protagonistas (de formas tão diferentes), não sabemos quem é o vilão ou o herói, quem sofre ou faz sofrer (ou se sofrem!); apenas que, entre um e outro momento (o do encontro entre vôos e o do trago seco), a ilusão forçada e o tempo das "verdades" não foram iguais.
Como eu, o narrador, não omnisciente e muito menos omnipotente, fica, assim, vazio (como este "comment"), sem perceber(-se) e que trama refazer!
Afine-se, então, a voz e, nesses olhares plurais, mais do que a do narrador, oiça-se a própria!