domingo, 20 de julho de 2008

Hoje, de mim, só resta o desencanto


"Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido...

Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!

De tudo houve um começo ... e tudo errou...
- Ai a dor de ser - quase, dor sem fim...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se enlaçou mas não voou...

Momentos de alma que, desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...

Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...

Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...

Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém..."

Mário de Sá-Carneiro, in 'Poemas Completos'


2 comentários:

Anónimo disse...

Neste ciclo renovador, a Plenitude é uma construção irreversivelmente inacabada! De que adianta ser/ ter em extremo se ela pouco em nós fica? Ser tudo em tudo desesperadamente? E que tal sermos mesmo nesse "quase" como razão essencial para que - no amanhã - não nos tolhamos desse desencanto? Quem me dera aquecer/voar nesse "quase" constante! Para isso, importa, como dizia Torga, "partir e não chegar", e se não desacompanhado for, melhor!
Conselho? Dê-os quem os quiser!

Anónimo disse...

http://www.youtube.com/watch?v=9e7rp-OjqBY&feature=related

Benvindo!
J.