quarta-feira, 18 de abril de 2007

Alheamento

"Que música escutas tão atentamente
que não dás por mim?
Que bosque, ou rio, ou mar?
Ou é dentro de ti
que tudo canta ainda?
Queria falar contigo,
dizer-te apenas que estou aqui,
mas tenho medo,
medo que toda a música cesse
e tu não possas mais olhar as rosas.
Medo de quebrar o fio
com que teces os dias sem memória.
Com que palavras
ou beijos ou lágrimas
se acordam os mortos sem os ferir,
sem os trazer a esta espuma negra
onde corpos e corpos se repetem,
parcimoniosamente, no meio de sombras?
Deixa-te estar assim,
ó cheia de doçura,
sentada, olhando as rosas,
e tão alheia
que nem dás por mim."


Eugénio de Andrade in 'Coração do dia'

1 comentário:

Anónimo disse...

As flores continuam a apanhar sol e a crescer;É assim o jardim!
Será que o sol não pára de brilhar e dá lugar ao outono ameno? O sol, do tamanho do mar, roubou o coração à flor sem esta dar conta e fugiu;
Que injustiça!! Mas as flores no jardim continuam a apanhar sol e florescem porque o sol é o brilho incessante que não pára.
E a flor quer continuar a viver no jardim como flor.
Platonia ou alheamento?