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Vou contar-te uma história. A minha mãe sempre trabalhou muito, fora de casa. Chegava muito tarde e eu já estava deitado. Naqueles momentos após eu me deitar, ficava muito direito e quieto na cama, esperando que a porta de casa abrisse. Era terrível aquela angústia, a de não querer adormecer sem ouvir o barulho da chave que significava que provavelmente a mãe iria ao quarto dar-me um beijo de boa noite. Acabava sempre por adormecer, e no meio da revolta da manhã seguinte, ficava em mim uma sensação de vazio que me deixava inseguro e muito só. Pior que isso era estar acordado e perceber que os passos dela se encaminhavam para todos os lados menos para o meu quarto. Aí sim, sofria a sério. Sentia algo a quebrar-se por dentro e penso, agora, que foi assim que fui perdendo a noção de ser criança.
Conto-te isto porque nessa noite, todas essas imagens e sensações da minha infância voltaram a percorrer o meu cérebro. Acho que por instantes voltei a ser a criança solitária que fui. Desta vez não chorei, desta vez limitei-me a apanhar os pedacinhos de mim. E prometi a mim mesmo que iria ser forte de novo. Dias depois começou o teu processo penoso em direcção ao fim. E eu esqueci-me da minha promessa e mesmo contra tua vontade, acompanhei-te e estive ao teu lado, assistindo a algo que sempre me proibiste de ver: o teu sofrimento."
Pedro Rapoula in 'Iniciação à Tristeza'
3 comentários:
Todos nós sofremos em criança. O teu sofrimento não é maior do que o dos outros.
Gostei de ler algo escrito pelo autor.Há que aprender a confiar em algumas pessoas.
Desculpa.
Perfeito, o que escreveu. Belo.
Foi qualquer coisa assim que vim escrever-lhe... mas agora quero dizer-lhe o quanto discordo da nota aqui ao lado.
''Desculpe'' anonymous; mas o sofrimento ''dos outros'', é quê? Todo igual?
Onde é que o autor está a comparar-se com outros?
''Todos nós''..., o tanas!
Pronto.
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