''A SOLIDÃO DESOLA-ME; A COMPANHIA OPRIME-ME. A PRESENÇA DE OUTRA PESSOA DESENCAMINHA-ME OS PENSAMENTOS; SONHO A SUA PRESENÇA COM UMA DISTRACÇÃO ESPECIAL, QUE TODA A MINHA ATENÇÃO ANALÍTICA NÃO CONSEGUE DEFINIR.'' (FERNANDO PESSOA)
"A vida, as suas perdas e os seus ganhos, a sua mais que perfeita imprecisão, os dias que contam quando não se espera, o atraso na preocupação dos teus olhos, e as nuvens que caíram mais depressa, nessa tarde, o círculo das relações a abrir-se para dentro e para fora dos sentidos que nada têm a ver com círculos, quadrados, rectângulos, nas linhas rectas e paralelas que se cruzam com as linhas da mão;
a vida que traz consigo as emoções e os acasos, a luz inexorável das profecias que nunca se realizaram e dos encontros que sempre se soube que se iriam dar, mesmo que nunca se soubesse com quem e onde, nem quando; essa vida que leva consigo o rosto sonhado numa hesitação de madrugada, sob a luz indecisa que apenas mostra as paredes nuas, de manchas húmidas no gesso da memória;
a vida feita dos seus corpos obscuros e das suas palavras próximas."
Esses estranhos que nós amamos e nos amam olhamos para eles e são sempre adolescentes, assustados e sós sem nenhum sentido prático sem grande noção da ameaça ou da renúncia que sobre a luz incide descuidados e intensos no seu exagero de temporalidade pura
Um dia acordamos tristes da sua tristeza pois o fortuito significado dos campos explica por outras palavras aquilo que tornava os olhos incomparáveis
Mas a impressão maior é a da alegria de uma maneira que nem se consegue e por isso ténue, misteriosa: talvez seja assim todo o amor"
um poema de José Tolentino Mendonça que lhe dedico no dia do seu aniversário. Obrigado pela presença, pelo carinho e pela amizade. Muitos parabéns!
"As coisas vulgares que há na vida não deixam saudade, só as lembranças que doem ou fazem sorrir".
.
Estou em São Paulo. Vim para estar junto da minha avó, hoje, quando passa um ano sobre a sua morte.
Não esqueço este dia. Não esqueço o seu último olhar. Não esqueço o último beijo que trocámos. Não esqueço as promessas de encontros futuros. Não esqueço a esperança de que tudo iria acabar bem. Não esqueço como tudo acabou mal.
Perante o seu túmulo, numa terra que não é a nossa, neste calor de Dezembro de uma pátria emprestada, desejo a chuva e o frio de Lisboa. Só isso faz sentido num dia como o de hoje. Até sempre Avó.
"As coisas vulgares que há na vida Não deixam saudades Só as lembranças que doem Ou fazem sorrir
Há gente que fica na história da história da gente e outras de quem nem o nome lembramos ouvir
São emoções que dão vida à saudade que trago Aquelas que tive contigo e acabei por perder
Há dias que marcam a alma e a vida da gente e aquele em que tu me deixaste não posso esquecer
A chuva molhava-me o rosto Gelado e cansado As ruas que a cidade tinha Já eu percorrera
Ai... meu choro de moça perdida gritava à cidade que o fogo do amor sob chuva há instantes morrera
A chuva ouviu e calou meu segredo à cidade E eis que ela bate no vidro Trazendo a saudade "
Se a minha avó fosse viva, fazia hoje 82 anos. Parto para o Brasil esta noite para a homenagear na cidade em que passou os seus ultimos anos de vida. Dia 8 passará um ano da sua morte. Estarei junto ao seu túmulo para encerrar este ano de luto. E de perdas. A dela foi apenas a primeira.
Neste dia do seu aniversário, fica um ramo de rosas vermelhas, as suas flores favoritas. Amanhã estaremos mais próximos.
"Encham a casa de rosas Mas de rosas naturais Dessas que trepam viçosas Pelos muros dos quintais
Rosas de todas as cores Que me tragam alegria Que têm todas as flores Abertas à luz do dia
E que sejam macias Para as ter ao pé de mim Mas não sejam rosas frias Como essas de cetim
E seja tudo surpresa Como se fosse a sonhar Ponham, ponham flores na mesa Que hoje não quero chorar."
"Com uma tal falta de gente coexistível, como há hoje, que pode um homem de sensibilidade fazer senão inventar os seus amigos, ou quando menos, os seus companheiros de espírito?"