segunda-feira, 2 de agosto de 2010

De volta à Índia...


Mais uma vez, parto hoje para a Índia. Regresso a essa Pátria que, não sendo a minha, me faz sentir tão próximo de mim. Desta vez o Norte. Kashmir, o Tibete Indiano, as terras do chá, o Butão!
Durante as próximas semanas vou passar por Delhi, Rishikesh, Chandigarh, Amritsar, Jammu, Srinagar, Gulmarg, Kargil, Leh, Bagdogra, Darjeeling, Phuntsoling, Thimpu, Paro, e finalmente Delhi, de novo, para regressar a Lisboa.
É sempre uma emoção voltar. É sempre uma alegria voltar a ver os amigos: Prashant e Mukul! Até já!

quarta-feira, 7 de julho de 2010

À espera do seu tempo e do seu precipício



"Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos morte
violar-nos
tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas
portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício
Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição
Entre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsenor
E há palavras nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmo só amor só solidão desfeita
Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar"

Mário Cesariny

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Esse futuro



Outros entardeceres haverá em que os nossos olhos se encontrarão para mais uma despedida.
E num novo adeus, brindaremos em silêncio a esse velho futuro que perdemos.

sábado, 8 de maio de 2010

A certeza de ficar sem ti


"Eram, na rua, passos de mulher.
Era o meu coração que os soletrava.
Era, na jarra, além do malmequer,
espectral o espinho de uma rosa brava...

Era, no copo, além do gin, o gelo;
além do gelo, a roda de limão...
Era a mão de ninguém no meu cabelo.
Era a noite mais quente deste verão.

Era no gira-discos, o Martírio
de São Sebastião, de Debussy....
Era, na jarra, de repente, um lírio!
Era a certeza de ficar sem ti.

Era o ladrar dos cães na vizinhança.
Era, na sombra, um choro de criança..."

David Mourão Ferreira

domingo, 2 de maio de 2010

O menino que adormeceu nos teus olhos


"No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe!

Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos!

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais!

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura!

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos...

Mas tu esqueceste muita coisa!
Esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!

Olha - queres ouvir-me? -,
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;

ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;

ainda oiço a tua voz:
"Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal..."

Mas - tu sabes! - a noite é enorme
e todo o meu corpo cresceu...

Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber.

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas..."

Eugénio de Andrade, para a minha mãe no Dia da Mãe

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Inventários e detalhes


"Deus não aparece no poema
apenas escutamos a sua voz de cinza
e assistimos sem compreender
a escuras perícias

A vida reclama inventários e detalhes
não a oiças
quando inutilmente perscruta as sequências
do seu trânsito

Só há um modo verdadeiro de rezar:
estende o teu corpo ao longo do barco
que desce silencioso o canal
e deixa que as folhas mortas dos bosques
te cubram"

José Tolentino Mendonça
(no dia em que este blog completa 4 anos)

domingo, 4 de abril de 2010

Este amor sem tamanho


Quem és tu, de xaile negro
que ouço na rua a cantar?
Como sabes do degredo
que é este sofrer por amar?

Que lágrimas são essas que caem
Quando apertas o xaile no peito?
Sentes ainda o calor
Do nosso abraço desfeito?

Que fado é esse que cantas
com tanta amargura na voz?
Falas de tristezas tantas
Parece que falas de nós...

Que palavras são essas que choras
Que promessas, que solidão
Que olhar é esse perdido
No meio da escuridão?

Que amargura é essa que escondes?
Que olhos tristes os teus…
Lembras os dias felizes
Ou choras o ultimo adeus?

Que vida é esta que tenho,
que dor e que prisão,
é este amor sem tamanho
que trago no coração?

sexta-feira, 26 de março de 2010

No cimo das coisas


"nos dias tristes não se fala de aves
liga-se aos amigos e eles não estão
e depois pede-se lume na rua
como quem pede um coração
novinho em folha.

nos dias tristes é inverno
e anda-se ao frio de cigarro na mão
a queimar o vento
e diz-se bom dia!
às pessoas que passam
depois de já terem passado
e de não termos reparado nisso

nos dias tristes fala-se sozinho
e há sempre uma ave que pousa
no cimo das coisas
em vez de nos pousar no coração
e não fala connosco."

Filipa Leal

quarta-feira, 24 de março de 2010

Morrer tudo com a tua morte



"(...) O que mais me intriga e dói na nossa morte, como vemos na dos outros, é que nada se perturba com ela na vida normal do mundo. Mesmo que sejas uma personagem histórica, tudo entra de novo na rotina como se nem tivesses existido. O que mais podem fazer-te é tomar nota do acontecimento e recomeçar. Quando morre um teu amigo ou conhecido, a vida continua natural como se quem existisse para morrer fosses só tu. Porque tudo converge para ti, em quem tudo existe, e assim te inquieta a certeza de que o universo morrerá contigo. Mas não morre. Repara no que acontece com a morte dos outros e ficas a saber que o universo se está nas tintas para que morras ou não. E isso é que é incompreensível - morrer tudo com a tua morte e tudo ficar perfeitamente na mesma. Tudo isto tem significado para o teu presente. Mas recua duzentos anos e verás que nada disto tem já significado. "
Vergílio Ferreira, in 'Escrever'
(porque hoje acordei com pensamentos menos felizes)

quarta-feira, 17 de março de 2010

Para que não se extinga o seu lume


"Escuta, escuta: tenho ainda
uma coisa a dizer.
Não é importante, eu sei, não vai
salvar o mundo, não mudará
a vida de ninguém - mas quem
é hoje capaz de salvar o mundo
ou apenas mudar o sentido
da vida de alguém?
Escuta-me, não te demoro.
É coisa pouca, como a chuvinha
que vem vindo devagar.
São três, quatro palavras, pouco
mais. Palavras que te quero confiar,
para que não se extinga o seu lume,
o seu lume breve.
Palavras que muito amei,
que talvez ame ainda.
Elas são a casa, o sal da língua."

Eugénio de Andrade

sábado, 6 de março de 2010

O teu sorriso



O que espero da vida?
O teu sorriso ao acordar.

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Bruma e incerteza


Na escuridão dos teus olhos repousa esse passado que perdemos.
Observas o fogo em silêncio e sentes o futuro feito em cinzas.
Longe estão, já, os dias de luminosas gargalhadas.
Resta apenas este presente de bruma e incerteza.
É tempo de partir - dizes - e apagas a luz para que não te veja chorar.

para a Joana A.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

O que tive da vida


"Este foi o nosso último abraço. E quando,
daqui a nada, deixares o chão desta casa
encostarei amorosamente os lábios ao teu copo
para sentir o sabor desse beijo que hoje não
daremos. E então, sim, poderei também eu
partir, sabendo que, afinal, o que tive da vida
foi mais, muito mais, do que mereci."

Maria do Rosário Pedreira

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Inteira - a minha vida


"Sei o mês exacto por medo de perder-te
Ainda. Como as viúvas indo para a missa
Cobrindo-me de luto, curva
Tão dolorosa, pondão desasteado, mendigo
A quem tivéssemos dado pão. A porção
Exacta, sei-a - eu dividi
Para dar-ta inteira - a minha vida"

Daniel Faria, in 'Poesia'

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

tão estéril


"com a morte, também o amor devia acabar. acto contínuo, o nosso coração devia esvaziar-se de qualquer sentimento que até ali nutria pela pessoa que deixou de existir. pensamos, existe ainda, está dentro de nós, ilusão que criamos para que se torne todavia mais humilhante a perda e para que nos abata de uma vez por todas com piedade. e não é compreensível que assim aconteça. com a morte, tudo o que respeita a quem morreu devia ser erradicado, para que aos vivos o fardo não se torne desumano. esse é o limite, a desumanidade de se perder quem não se pode perder. (...).
fica-se muito zangado como pessoa. não se criem dúvidas acerca disso. fica-se zangado e deseja-se aos outros pouco bem, e o mal que lhes pode acontecer é-nos indiferente ou, mais sinceramente, até nos reconforta, isso sim, como um abraço de embalo, para que não se ponham por aí a arder como o sol, e sobretudo, não nos falem com uma alegriazinha ingénua, de tempo contado, e não nos façam perceber o quanto éramos também ingénuos e nunca nos preparámos para a derrocada de todas as coisas. nunca nos preparamos para a realidade. passamos a ser cidadãos terrivelmente antipáticos, mesmo que façamos uma gestão inteligente desse desprezo que alimentamos crescendo. e só não nos tornamos perigosos porque envelhecer é tornarmo-nos vulneráveis e nada valentes, pelo que enlouquecemos um bocado e somos só como feras muito grandes sem ossos, metidas dentro de sacos de pele imprestáveis que já não servem para nos impor verticalidade nem nas mais pequenas batalhas.
como faria falta ferrarmos toda a gente e vingarmo-nos do mundo por manter as primaveras e a subitamente estúpida variedade das espécies e as manifestaçoes do mar e a expectativa do calor e a extensão dos campos e as putas das flores e das arvorezinhas cheias de passarinhos cantantes aos quais devíamos torcer o pescoço para nunca mais interferirem com as nossas feridas profundas. que se fodam. que se fodam os discursos de falsa preocupação dessa gente que sorri diante de nós mas que pensa que é assim mesmo, afinal, estamos velhos e temos de morrer, um primeiro e o outro depois e está tudo muito bem. sorriem, umas palmadinhas nas costas, devagar que é velhinho, e depois vão-se embora para casa a esquecerem as coisas mais aborrecidas dos dias. onde ficamos nós, os velhinhos, uma gelatina de carne a amargar como para lá dos prazos. que ódio tão profundo nos nasce. como incrivelmente nos nasce alguma coisa num tempo que já supúnhamos tão estéril."

valter hugo mãe, in 'a máquina de fazer espanhóis'

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

uma qualquer saudade


"sentir o que não existe é uma qualquer saudade de nós próprios."

valter hugo mãe, in 'a máquina de fazer espanhóis'

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Uma profunda amargura


"Silêncio!
Do silêncio faço um grito
O corpo todo me dói
Deixai-me chorar um pouco.

De sombra a sombra
Há um Céu...tão recolhido...
De sombra a sombra
Já lhe perdi o sentido.

Ao céu!
Aqui me falta a luz
Aqui me falta uma estrela
Chora-se mais
Quando se vive atrás dela.

E eu,
A quem o sol esqueceu
Sou a que o mundo perdeu
Só choro agora
Que quem morre já não chora.

Solidão!
Que nem mesmo essa é inteira...
Há sempre uma companheira
Uma profunda amargura.

Ai, solidão
Quem fora escorpião
Ai! solidão
E se mordera a cabeça!

Adeus
Já fui para além da vida
Do que já fui tenho sede
Sou sombra triste
Encostada a uma parede.

Adeus,
Vida que tanto duras
Vem morte que tanto tardas
Ai, como dói
A solidão quase loucura"

Amália Rodrigues
(para a Natasha, autora da foto. Há mortes que nos entram pela casa quando menos esperamos. São perdas estúpidas, inúteis e revoltantes. Hoje estou revoltado. Perdi uma recente mas boa amiga. Escolheu deixar-nos. E deixou-nos. Sem respostas. Impotentes. E muito mais vazios. Até sempre Natasha!)

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Do futuro e de ti


"Poderia ter escrito a tremer de respirares tão longe
Ter escrito com o sangue.
Também poderia ter escrito as visões
Se os olhos divididos em partes não sobrassem
No vazio de ceguez
E luz.
Poderia ter escrito o que sei
Do futuro e de ti
E de ter visto o deserto
O silêncio, o fogo e o dilúvio.
De dormir cheio de sede e poderia
Escrever
O interior do repouso
E ser faúlha onde a morte vive
E a vida rompe.
E poderia ter escrito o meu nome no teu nome
Porque me alimento da tua boca
E na palavra me sustento em ti."

Daniel Faria, in 'Poesia'