Sento-me numa qualquer rua do Chiado. À volta as pessoas passam indiferentes à minha presença à minha solidão. Sentei-me porque um músico toca guitarra sem perceber que me atinge fundo, muito fundo. A música penetra-me e eu fico sem saber exactamente onde estou, se em Lisboa, se numa qualquer rua de uma qualquer cidade…
Agora parou. Fuma um charro com dois miúdos que também já o escutam há algum tempo. O silêncio de volta à rua devolve-me alguma lucidez. Volto a perceber que estou em Lisboa,que estou sozinho, que tu partiste e que a vida reorganizar-se-á na tua ausência.
Conversam animadamente enquanto partilham o tal charro. Tenho vontade de me juntar a eles, a fumar algo que me faça esquecer a minha dor. O vinho que bebi ao almoço começa a perder o seu efeito e eu não quero estar sóbrio. Há demasiado sol e é demasiado cedo para ficar consciente.
É na minha consciência que me torturas. É na minha consciência que a tua falta dói mais, a segurares-me, a compores-me, a insistires para que fosse sério, adulto, bem comportado.
Recomeçaram a tocar. Quero voar nesta música. Quero sentir que não estou de facto aqui, que posso estar em qualquer lugar. Quero fugir de ti, de mim, de tudo o que me prende ao nosso mundo. Quero estar só, ficar só, dormir só, mas morro de medo da minha solidão. Morro de medo da tua saudade… Quero viver sem ti e não sei. Quero respirar fundo e serenar
por te saber ausente, como se esta tua ausência não me fosse destruindo por dentro.
A música continua a percorrer-me. Sinto-me assustado. São ritmos quentes, que me atiram à cara as recordações de ti, que me transportam aos teus pés.
Ouço o rio a correr, lá longe, e de súbito, os minutos passam por mim com indiferença, como se o meu sofrimento pouco importasse.
Estou cansado.
Quero viver sem ti e não posso.
Quero possuir-te e odeio-te.
Quero tocar-te e não suporto ver-te.
(Pedro Rapoula)