quarta-feira, 31 de janeiro de 2007

Pequenas verdades


"(...) tenho sentido a tua ausência nas palavras que não te escrevo. Trabalho, muito, distracções várias, preocupações mil que me afastam de ti. Nas palavras quero dizer. Em pensamento, tu a interromperes-me as manhãs as tardes as noites. As mesmas manhãs tardes noites que não te escrevo. Sinto-te na ausência do que não digo. Preciso de escrever-te.
Repito: preciso de escrever-te.
Na altura em que acordavas ao meu lado, por vezes achei que tinha tudo por garantido e descurei de elaborar versos com as nossas vidas. Mesmo que não os apreciasses e optasses por dar mais atenção à necrologia dos jornais que não lias. Nessa altura, achava que dizer
-adoro-te
era o mesmo que escrever-te um caderno inteiro só com poemas. Nessas alturas,
- adoro-te
era suficiente para ti, pois nunca aceitarias nada que tivesse maior extensão que aquele microsegundo em que me ouvias e fingias acreditar. Por vezes, abraçados à vida, no cheiro de um e outro confundido na pele, respondias na inevitável repetição do
- também te adoro,
e o meu peito, buscando forças para acreditar no que dizias, sorria. Dali a um pouco, deixar-te-ia. Iria à minha vida e tu continuarias na tua. Os versos que antes te escrevera, tu irias esquecê-los, ao passo que eu optava por recordá-los, aspirando ter oportunidade de os reproduzir numa outra noite em que me dissesses
- adoro-te
e eu, abraçado à vida, no cheiro de um e outro confundido na pele, pudesse responder-te na inevitável repetição de
- também te adoro.
Sabíamos que eram pequenas verdades como estas que nos davam forças para continuar a nossa grande mentira."

Paulo Ferreira, in 'Cartas a Mónica'

segunda-feira, 29 de janeiro de 2007

Tu


"Eu penso em ti, ainda mais do que te digo, e tu estás em tudo, mesmo quando não te penso, tu és a grande razão, o horizonte sem nome que constantemente se desenha na minha imaginação de mim."

António Mega Ferreira in 'Amor'

Eu sei



"Eu sei, não te conheço mas existes.
Por isso os deuses não existem,
a solidão não existe
e apenas me dói a tua ausência
como uma fogueira
ou um grito.

(...)
Eu sei, não digas, deixa-me inventar-te.
Não é um sonho, juro, são apenas as minhas mãos
sobre a tua nudez
como uma sombra no deserto.
É apenas este rio que me percorre há muito e desagua em ti,
porque tu és o mar que acolhe os meus destroços.
É apenas uma tristeza inadiável, uma outra maneira de habitares
em todas as palavras do meu canto.

Tenho construído o teu nome com todas as coisas.
Tenho feito amor de muitas maneiras,
docemente,
lentamente,
desesperadamente
à tua procura, sempre à tua procura
até me dar conta que estás em mim,
que em mim devo procurar-te,
e tu apenas existes porque eu existo
e eu não estou só contigo
mas é contigo que eu quero ficar só
porque é a ti,
a ti que eu amo."



sexta-feira, 26 de janeiro de 2007

Companhia

"O amor é uma companhia.
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.
Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.
Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.
Todo eu sou qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio."


Alberto Caeiro

quinta-feira, 25 de janeiro de 2007

Coisa simples


"Quero dizer-te uma coisa simples: a tua
ausência dói-me. Refiro-me a essa dor que não
magoa, que se limita à alma; mas que não deixa,
por isso, de deixar alguns sinais - um peso
nos olhos, no lugar da tua imagem, e
um vazio nas mãos, como se as tuas mãos lhes
tivessem roubado o tacto. São estas as formas
do amor, podia dizer-te; e acrescentar que
as coisas simples também podem ser
complicadas, quando nos damos conta da
diferença entre o sonho e a realidade. Porém,
é o sonho que me traz a tua memória; e a
realidade aproxima-te de ti, agora que
os dias correm mais depressa, e as palavras
ficam presas numa refracção de instantes,
quando a tua voz me chama de dentro de
mim - e me faz responder-te uma coisa simples,
como dizer que a tua ausência me dói."


Nuno Júdice, in 'Poesia Reunida'

quarta-feira, 24 de janeiro de 2007

Cansaço


"O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto alguém.
Essas coisas todas -
Essas e o que faz falta nelas eternamente -;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço.
Íssimo, íssimo. íssimo,
Cansaço..."

Álvaro de Campos

terça-feira, 23 de janeiro de 2007

Tarde



"Atravessei contigo a minuciosa tarde
deste-me a tua mão, a vida parecia
difícil de estabelecer
acima do muro alto

folhas tremiam
ao invisível peso mais forte

Podia morrer por uma só dessas coisas
que trazemos sem que possam ser ditas:
astros cruzam-se numa velocidade que apavora
inamovíveis glaciares por fim se deslocam
e na única forma que tem de acompanhar-te
o meu coração bate"


José Tolentino Mendonça in 'A Noite Abre Meus Olhos'

segunda-feira, 22 de janeiro de 2007

Novo dia

" E para Oriente
Navegou e de noite e lentamente
E um novo dia se abriu em sua frente"

Sophia de Mello Breyner Andresen

sábado, 20 de janeiro de 2007

Já...

Já me dói a tua ausência... Chegámos mesmo ao fim?

sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

quinta-feira, 18 de janeiro de 2007

"De que vale a alguém ganhar o mundo inteiro se perder a alma?"

in 'O Aventureiro de Deus', de Pedro Miguel Lamet

sábado, 6 de janeiro de 2007

O quereres...

"Onde queres revolver, sou coqueiro. E onde queres dinheiro, sou paixão. Onde queres descanso, sou desejo. E onde sou só desejo, queres não. E onde não queres nada, nada falta. E onde voas bem alto, eu sou o chão. E onde pisas o chão, minha alma salta, e ganha liberdade na amplidão. Onde queres família, sou maluco. E onde queres romântico, burguês. Onde queres Leblon, sou Pernanbuco. E onde queres eunuco, garanhão. Onde queres o sim e o não, talvez. E onde vês, eu nao vislumbro razão. Onde queres o lobo, eu sou o irmão. E onde queres cowboy, eu sou chinês. Onde queres o acto, eu sou o espírito. E onde queres ternura, eu sou tesão. Onde queres o livre, decassílabo. E onde buscas o anjo, eu sou mulher. Onde queres prazer, sou o que dói. E onde queres tortura, mansidão. Onde queres um lar, revolução. E onde queres bandido, sou herói.
(...)
O quereres e o estares sempre a fim, do que em mim é de mim tão desigual, faz-me querer-te bem, querer-te mal. Bem a ti, mal ao quereres assim. Infinitamente pessoal. E eu querendo querer-te sem ter fim. E querendo-te, aprender o total do querer que há e do que não há em mim."

'O Quereres' de Caetano Veloso, por Lula Pena in 'Phados'

sexta-feira, 5 de janeiro de 2007

Quando eu amo


"Quando eu amo
Eu devoro
Todo o meu coração
Eu odeio
Eu adoro
Numa mesma oração"


'Baioque' de Chico Buarque, por Maria Bethânia
in 'Maria Bethânia Interpreta Chico Buarque de Todas as Maneiras'

quinta-feira, 4 de janeiro de 2007

To trust


"Trust is a fragile thing. Once earned, it affords us tremendous freedom. But once trust is lost, it can be impossible to recover. Of course the truth is, we never know who we can trust. Those we're closest to can betray us, and total strangers can come to our rescue. In the end, most people decide to trust only themselves. It really is the simplest way to keep from getting burned."

quarta-feira, 3 de janeiro de 2007

Mágoa


"(...)
Eu não quero tocar teu corpo de água
Nem quero possuir-te nem cantar-te
Pesa-me já demais a minha mágoa
Sem que seja preciso procurar-te."


Sophia de Mello Breyner Andresen, in 'No tempo dividido'

terça-feira, 2 de janeiro de 2007

Primeira liberdade



"Eu falo da primeira liberdade
Do primeiro dia que era mar e luz
Dança, brisa, ramagens e segredos
E um primeiro amor morto tão cedo
Que em tudo que era vivo se encarnava."


Sophia de Mello Breyner Andresen, in 'No tempo dividido'

segunda-feira, 1 de janeiro de 2007

Año nuevo


"Acaba de una vez
de un solo golpe
porque quieres matarme
poco a poco
Si va a llegar el dia
que me abandones
prefiero corazon
que sea esta noche
Diciembre me gusto
pa' que te vayas
que sea tu cruel adios
mi Navidad
No quiero comenzar
el año nuevo
con este mismo amor
que me hace tanto mal
Y ya despues
que pasen muchas cosas
que estes arrepentida
que tengas mucho miedo
Vas a saber
que aquello que dejaste
fue lo que mas quisiste
pero ya no hay remedio
Diciembre me gusto
pa' que te vayas
que sea tu cruel adios
mi Navidad
No quiero comenzar
el año nuevo
con este mismo amor
que me hace tanto mal"

José Alfredo Jiménez, in 'Amarga Navidad' por Lila Downs