sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Melhor


"Cortaram os trigos. Agora
A minha solidão vê-se melhor"
Sophia de Mello Breyner Andresen

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Casual


"... I gave romance a shot and now I'm ready for something a little more casual..."

Joey Murphy

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Fundo e grave


"Luz recortada nesta manhã fria
Muros e portões chave após chave

O meu amor por ti é fundo e grave
Confirmado nas grades deste dia"
Sophia de Mello Breyner Andresen

terça-feira, 28 de outubro de 2008

And only the sorrow



"In my hallucination
I saw my beloved's flower garden
In my vertigo, in my dizziness
In my drunken haze
Whirling and dancing like a spinning wheel

I saw myself as the source of existence
I was there in the beginning
And I was the spirit of love
Now I am sober
There is only the hangover
And the memory of love
And only the sorrow

I yearn for happiness
I ask for help
I want mercy
And my love says:

Look at me and hear me
Because I am here
Just for that

I am your moon and your moonlight too
I am your flower garden and your water too
I have come all this way, eager for you
Without shoes or shawl

I want you to laugh
To kill all your worries
To love you
To nourish you

Oh sweet bitterness
I will soothe you and heal you
I will bring you roses
I, too, have been covered with thorns"

جلال‌الدین محمد رو by Madonna, in 'A Gift Of Love - Music Inspired By The Love Poems Of Rumi'

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

The loneliest people


"If you wanna be my friend
You want us to get along
Please do not expect me to
Wrap it up and keep it there
The observation I am doing could
Easily be understood
As cynical demeanour
But one of us misread...
And what do you know
It happened again

A friend is not a means
You utilize to get somewhere
Somehow I didn't notice
friendship is an end
What do you know
It happened again

How come no-one told me
All throughout history
The loneliest people
Were the ones who always spoke the truth
The ones who made a difference
By withstanding the indifference
I guess it's up to me now
Should I take that risk or just smile?

What do you know
It happened again
What do you know"

Kings of Convenience, in 'Riot on an empty street'

domingo, 26 de outubro de 2008

E de tudo que há nas ilusões


"O cansaço de todas as ilusões e de tudo que há nas ilusões - a perda delas, a inutilidade de as ter, o antecansaço de ter que as ter para perdê-las, a mágoa de as ter tido, a vergonha intelectual de as ter tido sabendo que teriam tal fim. A consciência da inconsciência da vida é o mais antigo imposto à inteligência. Há inteligências inconscientes - brilhos do espírito, correntes do entendimento, mistérios e filosofias - que têm o mesmo automatismo que os reflexos corpóreos, que a gestão que o fígado e os rins fazem de suas secreções."

Bernardo Soares, in 'Livro do Desassossego'

sábado, 25 de outubro de 2008

Diante do teu olhar

 

"O que desejei às vezes

Diante do teu olhar,
Diante da tua boca!

Quase que choro de pena
Medindo aquela ansiedade
Pela de hoje - que é tão pouca!

Tão pouca que nem existe!

De tudo quanto nós fomos,
Apenas sei que sou triste."

António Botto

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

E isto não ser tudo


"A minha imagem, tal qual eu a via nos espelhos, anda sempre ao colo da minha alma. Eu não podia ser senão curvo e débil como sou, mesmo nos meus pensamentos.
Tudo em mim é de um príncipe de cromo colado no álbum velho de uma criancinha que morreu sempre há muito tempo.
Amar-me é ter pena de mim. Um dia, lá para o fim do futuro, alguém escreverá sobre mim um poema, e talvez só então eu comece a reinar no meu Reino.
Deus é o existirmos e isto não ser tudo."

Bernardo Soares, in 'Livro do Desassossego'

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

A angústia das pequenas coisas ridículas


"Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo.
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cómico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um acto ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e erróneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza."

Álvaro de Campos

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Tanta pena y tanto mal



"Soledad,
fue una noche sin estrellas
cuando al irte
me dejaste tanta pena
y tanto mal.

Soledad
desde el dia en que te fuiste
en el pueblo solo existe
un silencio conventual.

Soledad,
los arrollos están secos,
en lascalles hay mil ecos
que te gritan sin cesar

Soledad
vuelve ya...
Vuelve ya mi Soledad..."

por Chavela Vargas

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Com este mal-estar a fazer-me pregas na alma


"Esta velha angústia,
Esta angústia que trago há séculos em mim,
Transbordou da vasilha,
Em lágrimas, em grandes imaginações,
Em sonhos em estilo de pesadelo sem terror,
Em grandes emoções súbitas sem sentido nenhum.

Transbordou.
Mal sei como conduzir-me na vida
Com este mal-estar a fazer-me pregas na alma!
Se ao menos endoidecesse deveras!
Mas não: é este estar-entre,
Este quase,
Este poder ser que...,
Isto.

Um internado num manicómio é, ao menos, alguém,
Eu sou um internado num manicómio sem manicómio.
Estou doido a frio,
Estou lúcido e louco,
Estou alheio a tudo e igual a todos:
Estou dormindo desperto com sonhos que são loucura
Porque não são sonhos.
Estou assim...

Pobre velha casa da minha infância perdida!
Quem te diria que eu me desacolhesse tanto!
Que é do teu menino? Está maluco.
Que é de quem dormia sossegado sob o teu tecto provinciano?
Está maluco.
Quem de quem fui? Está maluco. Hoje é quem eu sou.

Se ao menos eu tivesse uma religião qualquer!
Por exemplo, por aquele manipanso
Que havia em casa, lá nessa, trazido de África.
Era feiíssimo, era grotesco,
Mas havia nele a divindade de tudo em que se crê.
Se eu pudesse crer num manipanso qualquer —
Júpiter, Jeová, a Humanidade —
Qualquer serviria,
Pois o que é tudo senão o que pensamos de tudo?

Estala, coração de vidro pintado!"


Álvaro de Campos

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Mais que um crime é um castigo

"Proibissem a saudade de cantar,
Havia de ser bonito…
Entre os versos da canção mais popular,
Ai, é o dito por não dito.

E as guitarras, sob a escuta na batuta de outras modas,
Escondem no trinar das cordas o pesar.
E o poeta vigiado, forçado ao assobio,
Carpe as mágoas do destino sem mostrar.

E ao calor de uma fogueira, um amigo
Com a voz mais aquecida lá entoa:
Que a saudade mais que um crime é um castigo,
E prisão por prisão, temos Lisboa."

Deolinda

domingo, 19 de outubro de 2008

Os meus desejos são cansaços


"Dorme enquanto eu velo…
Deixa-me sonhar…
Nada em mim é risonho.
Quero-te para sonho,
Não para te amar.

A tua carne calma
É fria em meu querer.
Os meus desejos são cansaços.
Nem quero ter nos braços
Meu sonho do teu ser.

Dorme, dorme. dorme,
Vaga em teu sorrir…
Sonho-te tão atento
Que o sonho é encantamento
E eu sonho sem sentir."

Fernando Pessoa

sábado, 18 de outubro de 2008

O meu amor não estava



"a noite vinha fria
negras sombras a rondavam
era meia-noite
e o meu amor tardava

a nossa casa, a nossa vida
foi de novo revirada
à meia-noite
o meu amor não estava

ai, eu não sei aonde ele está
se à nossa casa voltará
foi esse o nosso compromisso

e acaso nos tocar o azar
o combinado é não esperar
que o nosso amor é clandestino

com o bebé, escondida,
quis lá eu saber, esperei
era meia-noite
e o meu amor tardava

e arranhada pelas silvas
sei lá eu o que desejei:
não voltar nunca...
amantes, outra casa...

e quando ele por fim chegou
trazia flores que apanhou
e um brinquedo pró menino

e quando a guarda apontou
fui eu quem o abraçou
o nosso amor é clandestino"

Deolinda
(Hoje, na Aula Magna, pelas 22H. A não perder.)

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Em nome da tua ausência


Gosto tanto de estar contigo e às vezes quero tanto estar sozinho. Às vezes preciso tanto de ti e outras vezes preciso só de mim. Às vezes quero que estejas aqui em casa e outras vezes não. E às vezes esse querer dura apenas alguns minutos ou segundos. Mas há dias em que a solidão e o frio me invadem e eu sinto-me pequeno e só e triste. E acho que amar devia dar um pouco mais de calor... Na verdade tenho saudades tuas. Mas saudades mesmo. Daquelas que provocam um peso no estômago e fazem doer. E é nestes dias que tenho mais dificuldade em sair da cama. E chego a ficar assim, congelado, como se apenas a tua presença ao meu lado me trouxesse algum conforto. Em nome da tua ausência arrasto os olhos de rosto em rosto, buscando a tua face. Em nome da tua ausência perco horas na cidade a percorrer os teus caminhos, sonhando com os teus passos. Em nome da tua ausência gasto os dias em angustias, em lágrimas, em solidão. Em nome da tua ausência deixei de sentir. Na verdade tenho saudades tuas. É tempo de aceitar que te perdi de vez.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

No desalinho triste das minhas emoções confusas...


"Uma tristeza de crepúsculo, feita de cansaços e de renúncias falsas, um tédio de sentir qualquer coisa, uma dor como de um soluço parado ou de uma verdade obtida. Desenrola-se-me na alma desatenta esta paisagem de abdicações - áleas de gestos abandonados, canteiros altos de sonhos nem sequer bem sonhados, inconsequências, como muros de buxo dividindo caminhos vazios, suposições, como velhos tanques sem repuxo vivo, tudo se emaranha e se visualiza pobre no desalinho triste das minhas sensações confusas."

Bernardo Soares, in 'Livro do Desassossego'

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

A mão doçura

"Ai! minha mãe
minha ‘’mãe menininha’’
ai! minha ‘’mãe
menininha’’ do Gantois
- a estrela mais linda, hein?
- tá no Gantois
- a beleza do mundo, hein?
- tá no Gantois
- e a mão doçura, hein?
- tá no Gantois
- o consolo da gente, ai?
- ta no Gantois
- a oxum mais bonita, hein
- ta no gantoi
Olorum que mandou
essa filha de oxum
tomar conta da gente
e de tudo cuidar
Olorum que mandô-ê-ô
ora-iê-iê-ô."

Dorival Caymmi por Maria Bethânia, Caetano Veloso e Dona Canô
(Esta é por razão nenhuma. Porque há momentos tão simples e tão bonitos que se tornam inesquecíveis.)

terça-feira, 14 de outubro de 2008

O que deve estar na alma


"(...)
Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.
(...)"

Alberto Caeiro in 'O Guardador de Rebanhos'

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Escolheu meu coração

"Minha vida que parece muito calma
Tem segredos que eu não posso revelar
Escondidos bem no fundo de minh'alma
Não transparecem nem sequer em um olhar
Vive sempre conversando à sós comigo
Uma voz eu escuto com fervor
Escolheu meu coração pra seu abrigo
E dele fez um roseiral em flor"

domingo, 12 de outubro de 2008

Aunque me haga pedazos la vida



"Cuando lejos te encuentres de mi,
Cuando quieras que yo este contigo,
No tendras un recuerdo de mi,
Ni tendras mas amores conmigo.

Te lo juro que no volveré,
Aunque me haga pedazos la vida,
Si una vez con locura te ame,
Ya de mi alma estaras despedida.

No... Volveré.
Te lo juro por Dios que me mira,
Te lo digo llorando de rabia,
Yo no volveré.

No... Parare
Hasta ver que mi llanto ha formado,
Un arrollo de olvido anegado,
Donde yo tu recuerdo ahogare.

Fuimos nubes que el viento aparto,
Fuimos piedras que siempre chocamos,
Gotas de agua que el sol reseco,
Borracheras que no terminamos.

En el tren de la ausencia me voy,
Mi boleto no tiene regreso,
Lo que quieras de mi te lo doy
Pero no te devuelvo tus besos.

No... Volveré
Te lo juro por Dios que me mira,
Te lo digo llorando de rabia,
No volveré.

No... Parare
Hasta ver que mi llanto ha formado,
Un arrollo de olvido anegado,
Donde yo tu recuerdo.... ahogare."

Antonio Bribiesca por Chavela Vargas

sábado, 11 de outubro de 2008

Onde anda a minha saudade


"(...)

Meu coração, inundado
Pela luz do teu olhar,
Dorme quieto como um lírio,
Banhado pelo luar.

(...)

Eu sei que me tens amor,
Bem o leio no teu olhar,
O amor quando é sentido
Não se pode disfarçar.

Os olhos são indiscretos;
Revelam tudo que sentem,
Podem mentir os teus lábios,
Os olhos, esses, não mentem.

Bendita seja a desgraça,
Bendita a fatalidade,
Bendito sejam teus olhos
Onde anda a minha saudade.

Não há amor neste mundo
Como o que eu sinto por ti,
Que me ofertou a desgraça
No momento em que te vi.

O teu grande amor por mim,
Durou, no teu coração,
O espaço duma manhã,
Como a rosa da canção.

(...)

Dizem-me que te não queira
Que tens, nos olhos, traição.
Ai, ensinem-me a maneira
De dar leis ao coração!

Tanto ódio e tanto amor
Na minha alma contenho;
Mas o ódio inda é maior
Que o doido amor que te tenho.

Odeio teu doce sorriso,
Odeio teu lindo olhar,
E ainda mais a minh'alma
Por tanto e tanto te amar!

Quando o teu olhar infindo
Poisa no meu, quase a medo,
Temo que alguém advinhe
O nosso casto segredo.

Logo minh'alma descansa;
Por saber que nunca alguém
Pode imaginar o fogo
Que o teu frio olhar contém.

Quem na vida tem amores
Não pode viver contente,
É sempre triste o olhar
Daquele que muito sente.

Adivinhar o mistério
Da tua alma quem me dera!
Tens nos olhos o outono,
Nos lábios a primavera...

Enquanto teus lábios cantam
Canções feitas de luar,
Soluça cheio de mágua
O teu misterioso olhar...

Com tanta contradição,
O que é que a tua alma sente?
És alegre como a aurora,
E triste como um poente...

Desabafa no meu peito
Essa amargura tão louca,
Que é tortura nos teus olhos
E riso na tua boca!

(...)"

Florbela Espanca

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Que a saudade não desvanece…


"Tudo o que se sobressai da utopia que advogo
Não é mais do que um substrato do tempo que vivi,
Como a lágrima vertida na atmosfera onde vogo
Não é mais do que um piano pungente que tange por ti…

E as mãos que, na solidão, se intimidam,
Que se desertificam aquando o tempo evanesce
Não são mais do que as palavras nunca antes ditas
E veladas num âmago isolado que entorpece…

Por isso, vem… que a saudade não desvanece…
Vem… que o tempo permanece…
E prende-me em ti…

Tudo o que se ocultava no silêncio temível
Não era mais do que a soturna certeza
Que teimava em calcular pela matemática falível
Nos teoremas esotéricos da imensurável natureza.

E se, novamente, me vires assim, imerso no pensamento,
Pensa que emergi do livro do cepticismo filosófico
Escrito pelas mãos da poesia na candura do tempo
E do exagero desenfreado de um amor platónico.

Por isso, vem… que a saudade não desvanece…
Vem… que o tempo permanece…
E prende-me em ti…"

João Garcia Barreto

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Longos poentes


"Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta
Continuará o jardim, o céu e o mar,
E como hoje igualmente hão-de bailar
As quatro estações à minha porta.

Outros em Abril passarão no pomar
Em que eu tantas vezes passei,
Haverá longos poentes sobre o mar,
Outros amarão as coisas que eu amei.

Será o mesmo brilho, a mesma festa,
Será o mesmo jardim à minha porta,
E os cabelos doirados da floresta,
Como se eu não estivesse morta."

Sophia de Mello Breyner Andresen
(Para o Tiago. Nunca te esqueceremos.)

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Paz


Conheço a Raquel há cerca de 10 anos. Desde que nos conhecemos que somos amigos. Partilhamos valores, crenças, risos, lágrimas, preocupações e alegrias. Não estamos juntos tantas vezes quantas gostaríamos (e menos ainda agora que a Raquel está em Bruxelas). Nutro pela família da Raquel uma enorme simpatia, um carinho imenso pela forma como sempre me fizeram sentir um deles. Acabei de saber há minutos que morreu o Tiago, casado com a Fau, irmã da Raquel.
O Tiago estava doente há algum tempo, com uma leucemia, mas ainda há quinze dias, num casamento em Coimbra, diziam-me que tinham encontrado um dador compatível e que só estavam à espera que o Tiago ficasse mais forte para fazer um transplante de medula. Infelizmente parece ter sido tarde de mais. O Tiago morreu esta noite.
Conheci o Tiago numa das muitas festas a que fui em casa dos pais da Raquel. Era um pouco mais novo que eu mas tinha uma energia contagiante, um sorriso aberto e luminoso e um sentido de humor único. Sinto muito a perda daquela família, tanto mais que o Tiago estava casado há muito pouco tempo e tinha sido pai recentemente.
Às vezes, por maior que seja a nossa fé, é muito complicado compreender os desígnios de Deus. Neste momento de dor e de perda, só me resta o silêncio e a oração. O sorriso do Tiago ficará sempre na minha memória como prova da sua luz e da sua alegria.
Meus queridos amigos, estou longe mas estou convosco em oração. Coragem.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Todo o espaço para amar

"O amor é o amor - e depois?!
Vamos ficar os dois

a imaginar, a imaginar?..

O meu peito contra o teu peito,

cortando o mar, cortando o ar.

Num leito
há todo o espaço para amar!


Na nossa carne estamos
sem destino, sem medo, sem pudor,

e trocamos - somos um? somos dois? -
espírito e calor!
O amor é o amor - e depois?!"



Alexandre O´Neill

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Que baste


Cada dia é mais evidente que partimos
Sem nenhum possível regresso no que fomos,
Cada dia as horas se despem mais do alimento:
Não há saudades nem terror que baste.

Sophia de Mello Breyner Andresen

domingo, 5 de outubro de 2008

Qualquer coisa antes que durma...


"Começa a haver meia-noite, e a haver sossego,
Por toda a parte das coisas sobrepostas,
Os andares vários da acumulação da vida...
Calaram o piano no terceiro andar...
Não oiço já passos no segundo andar...
No rés-do-chão o rádio está em silêncio...
Vai tudo dormir...
Fico sozinho com o universo inteiro.
Não quero ir à janela:
Se eu olhar, que de estrelas!
Que grandes silêncios maiores há no alto!
Que céu anticitadino! — Antes, recluso,
Num desejo de não ser recluso,
Escuto ansiosamente os ruídos da rua...
Um automóvel — demasiado rápido! —
Os duplos passos em conversa falam-me...
O som de um portão que se fecha brusco dói-me...
Vai tudo dormir...
Só eu velo, sonolentamente escutando,
Esperando
Qualquer coisa antes que durma...
Qualquer coisa."
Álvaro de Campos

sábado, 4 de outubro de 2008

Se te recuso ou desejo

"Ai esta ausência de mim / Esta lenta nostalgia
Ai esta noite sem fim / Na nossa cama tão fria
Ai este já não saber / Se te recuso ou desejo
Ai este não entender / Porque me negas um beijo
Meu amor, amor que eu quero
Meu desespero sem fim
Meu amor, amor sincero
Anda morar no meu corpo
Vem morar dentro de mim
Ai este riso algemado / Como se fosse um queixume
Ai este corpo gelado / Sem o teu corpo de lume
Ai esta boca sedenta / A limitar-me os espaços
Ai esta fome violenta / De te prender nos meus braços"

Fernando Campos de Castro

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Amores improváveis


"Que estranho destino é o meu que apenas me consente paixões ardentes e me faz esgotar em amores improváveis."


José Manuel Saraiva, in 'Aos Olhos de Deus'
(nos pacotes de açucar)

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Ao som da água


"Quantos em ti lagos e rios
Quantos em ti os oceanos
Água vermelha que aos ouvidos
traz o aviso
de nenhuns campos
É bom sondarmos os abismos
que nunca vão cicatrizando
E ao som da água pressentirmos
de onde provimos
aonde vamos"

David Mourão Ferreira

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

À míngua dos teus dedos


"Não adormeças: o vento ainda assobia no meu quarto
e a luz é fraca e treme e eu tenho medo
das sombras que desfilam pelas paredes como fantasmas
da casa e de tudo aquilo com que sonhes.

Não adormeças já. Diz-me outra vez do rio que palpitava
no coração da aldeia onde nasceste, da roupa que vinha
a cheirar a sonho e a musgo e ao trevo que nunca foi
de quatro folhas; e das ervas húmidas e chãs
com que em casa se cozinham perfumes que ainda hoje
te mordem os gestos e as palavras.

O meu corpo gela à míngua dos teus dedos, o sol vai
demorar-se a regressar. Há tempo para uma história
que eu não saiba e eu juro que, se não adormeceres,
serei tão leve que não hei-de pesar-te nunca na memória,
como na minha pesará para sempre a pedra do teu sono
se agora apenas me olhares de longe e adormeceres."


Maria do Rosário Pedreira