sábado, 31 de maio de 2008

Trocando passos com a solidão



"Não vou viver, como alguém que só espera um novo amor
Há outras coisas no caminho aonde eu vou
As vezes ando só, trocando passos com a solidão
Momentos que são meus e que não abro mão

Já sei olhar o rio por onde a vida passa
Sem me precipitar e nem perder a hora
Escuto no silêncio que há em mim e basta
Outro tempo começou pra mim agora

Vou deixar a rua me levar
Ver a cidade se acender
A lua vai banhar esse lugar
E eu vou lembrar você

É... mas tenho ainda muita coisa pra arrumar
Promessas que me fiz e que ainda não cumpri
Palavras me aguardam o tempo exato pra falar
Coisas minhas, talvez você nem queira ouvir

Já sei olhar o rio por onde a vida passa
Sem me precipitar e nem perder a hora
Escuto no silêncio que há em mim e basta
Outro tempo começou pra mim agora

Vou deixar a rua me levar
Ver a cidade se acender
A lua vai banhar esse lugar
E eu vou lembrar você..."

Ana Carolina
("... e eu vou lembrar você")

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Livre


"Que nenhuma estrela queime o teu perfil
Que nenhum deus se lembre do teu nome
Que nem o vento passe onde tu passas.

Para ti criarei um dia puro
Livre como o vento e repetido
Como o florir das ondas ordenadas"


Sophia de Mello Breyner Andresen
(para ti, porque os Horizontes nem sempre são Belos)

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Ton corps comme un torrent de Lave



"Lave
Ma mémoire sale dans son fleuve de boue
Du bout de ta langue nettoie-moi partout
Et ne laisse pas la moindre trace
De tout ce qui me lie et qui me lasse
Hélas ..

Chasse
Traque-la en moi, ce n'est qu'en moi qu'elle vit
Et lorsque tu la tiendras au bout de ton fusil
N'écoute pas si elle t'implore
Tu sais qu'elle doit mourir d'une deuxième mort
Alors tue-la encore

Pleure
Je l'ai fait avant toi et ça ne sert à rien
A quoi bon les sanglots, inonder les coussins
j'ai essayé, j'ai essayé
Mais j'ai le coeur sec et les yeux gonflés
Mais j'ai le coeur sec et les yeux gonflés
Alors...

Brûle
Brûle quand tu t'enlises dans mon grand lit de glace
Mon lit comme une banquise qui fond quand tu m'enlaces
Plus rien n'est triste, plus rien n'est grave
Si j'ai Ton corps comme un torrent de Lave
Ma memoire sale dans un fleuve de boue"



Alex Beaupain por Louis Garrel, in 'Les Chansons d'amour'
(para te dizer que as saudades não desaparecem assim...)

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Entre a esperança e o medo


“Depois da tristeza vem a alegria; depois da alegria vem a tristeza. Estamos sempre na instabilidade, entre a esperança e o medo.” 

John Owen

terça-feira, 27 de maio de 2008

Do meu amor viajante

"Não te quero senão porque te quero,
e de querer-te a não te querer chego,
e de esperar-te quando não te espero,
passa o meu coração do frio ao fogo.
Quero-te só porque a ti te quero,
Odeio-te sem fim e odiando te rogo,
e a medida do meu amor viajante,
é não te ver e amar-te,
como um cego.

Tal vez consumirá a luz de Janeiro,
seu raio cruel meu coração inteiro,
roubando-me a chave do sossego,
nesta história só eu me morro,
e morrerei de amor porque te quero,
porque te quero amor,
a sangue e fogo."
Pablo Neruda
(porque sinto tanto, tanto a tua falta...)

sábado, 24 de maio de 2008

Rasgar a solidão

"Já estou farta de estar só
Acompanhada de nada
Já estou louca de ser rua
Tão corrida tão pisada
Já estou prenhe de amizade
Tão barriga de saudade

Ai eu ainda um dia irei rasgar a solidão
E nela entrelaçar
O olhar de uma canção
Chegar ao cume, ao cimo, ao alto
Mais longe e mais além
Mas a saber que sou alguém

Na cidade sou loucura
Sou begónia sou ciúme
E eu que sonhava ser rua
Caminho atalho lonjura
Não tenho assento na festa
Sou a migalha que resta."

por Raquel Tavares, in 'Bairro'
(Custa-me a tua ausência. Mas isso, claro, tu já sabes.)

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Svanì per sempre il sogno mio d'amore...





'Tosca' de Puccini, 
em cena no Teatro Nacional de São Carlos até 7 de Junho 

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Destruição


"Quando se trata de destruir, todas as ambições se aliam facilmente."
Júlio Verne

"Não destruas o que não fizeste."
Sólon

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Mil dias antes de te conhecer




"Vivia a te buscar
Porque pensando em ti
Corria contra o tempo
Eu descartava os dias
Em que não te vi
Como de um filme
A ação que não valeu
Rodava as horas pra trás
Roubava um pouquinho
E ajeitava o meu caminho
Pra encostar no teu

Subia na montanha
Não como anda um corpo
Mas um sentimento
Eu surpreendia o sol
Antes do sol raiar
Saltava as noites
Sem me refazer
E pela porta de trás
Da casa vazia
Eu ingressaria
E te veria
Confusa por me ver
Chegando assim
Mil dias antes de te conhecer"

Edu Lobo e Chico Buarque por Maria João, in 'João'

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Até o fim


"(...)
Mesmo que você fuja de mim
Por labirintos e alçapões
Saiba que os poetas como os cegos
Podem ver na escuridão
E eis que, menos sábios do que antes
Os seus lábios ofegantes
Hão de se entregar assim:
Me leve até o fim
Me leve até o fim
(...)"


Alguns versos de Chico Buarque cantados hoje por Maria João, no Teatro São Luíz, num concerto fantástico. A tua cadeira, ao meu lado, ficou vazia. E foi a tua ausência o que me custou mais... Estás longe.

terça-feira, 13 de maio de 2008

Minha Senhora



"Minha Senhora das Dores
A dor que por mim sentiste
É dor que ainda persiste
em cada dos teus favores.
Teus lábios tecem louvores,
Louvores que eu pouco mereço.
E é maldade o que eu te ofereço,
Ofensas e dissabores.
Senhora, trocas louvores
Pelos meus carinhos pardos,
Pois são espinhos e são cardos
Que eu troco p'las tuas flores.
Num cortejo de mil cores
É o céu que de ti vem,
Ó Senhora minha Mãe,
Minha Senhora das Dores."

Jorge Rosa, por Katia Guerreiro e Bernardo Sassetti

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Tarde demais

Cumprimentaram-se friamente. Era a primeira vez que se viam desde a separação daí que ele não estranhasse o salto no estômago quando a viu no meio de toda aquela gente. Foi um encontro completamente inesperado. Por um momento pensou em abraçá-la, dar-lhe um beijo, mesmo, mas quando ela estendeu a mão deixou-o completamente desarmado. Achava estranho que, daquele corpo que já tinha sido seu, lhe oferecessem apenas o toque de uma mão. Trocaram umas meras palavras de circunstância e continuaram os seus caminhos. Enquanto descia a rua, ele disfarçava as lágrimas para que não percebessem que a sua ausência ainda doía muito. E compreendeu naquele instante que por vezes o amor se revela tarde demais.

domingo, 11 de maio de 2008

sábado, 10 de maio de 2008

Os momentos de desgosto mais profundos e de desespero

"Mas o que é que se está a passar comigo neste momento? Uma alegria tão ligeira, quase brincalhona? Ontem foi um dia difícil, muito difícil, no qual houve muito sofrimento interior a ter de interiorizar. E mais uma vez superei tudo o que veio ao meu encontro, e consigo aguentar novamente mais do que ontem. E foi isso provavelmente que me deu a satisfação interior e a calma: como eu noto, de cada vez que consigo lidar com as coisas completamente sozinha, como o meu coração não mirra de amargura nesse processo, e também como os momentos de desgosto mais profundos e de desespero deixam em mim as suas sementes e me fortalecem. Não tenho grandes ilusões acerca da verdadeira situação e até mesmo à pretensão de ajudar os outros eu renuncio. Hei-de partir sempre do princípio de ajudar Deus tanto quanto possível e se conseguir, pois bem, nesse caso também estou disponível para outros. Mas ilusões heróicas sobre isso, é melhor também não as ter."

Etty Hillesum, in 'Diário 1941-1943'

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Talvez o mais belo


"O poder ainda puro das tuas mãos
é mesmo agora o que mais me comove
descobrem devagar um destino que passa
e não passa por aqui

à mesa do café trocamos palavras
que trazem harmonias
tantas vezes negadas:
aquilo que nem ao vento sequer
segredamos

mas se hoje me puderes ouvir
recomeça, medita numa viagem longa
ou num amor
talvez o mais belo"


José Tolentino Mendonça, in Baldios

quinta-feira, 8 de maio de 2008

E as minhas duas mãos quebradas


Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.

Cecília Meireles

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Só em minha alma é noite escura



"Não queiram mal a quem canta quando uma garganta esta desgarra
que a mágoa já não é tanta se a confessar à guitarra.
Quem canta sempre se ausenta da hora cinzenta da sua amargura
Não sente a cruz tão pesada na longa estrada da desventura.
Eu só entendo o fado plangente, amargurado, à noite a soluçar baixinho
Que chega ao coração num tom magoado, tão frio como as neves do caminho.
Que chore uma saudade ou cante a ansiedade de quem tem por amor chorado.
Dirão que isto é fatal, é natural, mas é lisboeta e isto é que é o fado.
Oiço guitarras vibrando e vozes cantando na rua sombria
As luzes vão-se apagando a anunciar que é já dia
Fecho em silêncio a janela, já se ouvem na viela rumores de ternura
Surge a manhã fresca e calma, só em minha alma é noite escura.
Eu so entendo o fado plangente, amargurado, à noite a soluçar baixinho
Que chega ao coração num tom magoado tão frio como as neves do caminho
Que chore uma saudade ou cante a ansiedade de quem tem por amor chorado.
Dirão que isto é fatal, é natural, mas é lisboeta e isto é que é o fado..."

por Raquel Tavares

terça-feira, 6 de maio de 2008

Não conseguir aguentar a vida


"(...) Às vezes custa-me tanto esforço para estabelecer a fasquia de trabalho para o dia: levantar-me, lavar-me, fazer ginástica, calçar meias sem buracos, pôr a mesa, em suma, "orientar-me" no dia-a-dia, que poucas forças me restam para outras coisas. Então fico, após me ter levantado a horas como outro cidadão qualquer, com o sentimento de orgulho de já ter realizado uma porção de coisas. Contudo, isso é o mais importante para mim: a disciplina exterior, enquanto a interior ainda não está em ordem. Se de manhã durmo por mais uma hora, tal não significa para mim recuperar o sono, significa sim não conseguir aguentar a vida e fazer greve."

Etty Hillesum, in 'Diário 1941-1943'

domingo, 4 de maio de 2008

E por vezes feliz

"(...)
Não existe a fusão de duas vidas. Pelo menos para mim não. Às vezes, por alguns momentos, sim. Mas será que esses momentos justificam a união para uma vida inteira? Será que essa meia dúzia de momentos consegue cimentar uma vida em comum? Porém também há um sentimento forte. E por vezes feliz. Só. Deus. Mas custa. Porque o mundo permanece inóspito. 
O meu coração é muito bravio, mas nunca para uma só pessoa. Para todas as pessoas. Este coração é também, creio, muito rico E antigamente pensava sempre como é que o iria dar a uma só pessoa. Mas isto não tem sentido. E quando uma pessoa aos 27 anos atinge estas pesadas "verdades", se isso provoca, por um lado, um sentimento de desespero e solidão e medo, por outro, também provoca uma sensação de independência e de orgulho. Estou confiada a mim mesma e terei de me desembaraçar sozinha. O único padrão que tens és tu própria. Repito-te mais uma vez. E a única responsabilidade com que poderás arcar na tua vida, é para contigo própria. Mas neste caso também terás que o fazer totalmente."

Etty Hillesum, in 'Diário 1941-1943'

sábado, 3 de maio de 2008

Não compreender



"Creio no Mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...
Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
(...)"




Alberto Caeiro

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Na realidade repetidamente

"Há um desassossego em mim, um desassossego bizarro, diabólico, que poderia ser produtivo se eu o soubesse utilizar. Um desassossego criador. Não se trata de um desassossego do corpo. Nem mesmo uma dúzia de excitantes noites de amor lhe conseguiriam pôr fim. É um desassossego quase "sagrado". 
(...)
Às vezes desejava estar numa cela conventual, com a sabedoria sublimada de séculos nas prateleiras de livros ao longo das paredes, e com vista para as searas - têm mesmo de ser searas e também de ondular - e aí eu quereria aprofundar-me nos séculos e em mim mesma, e, com o correr do tempo, viriam então o sossego e a clareza. Mas assim não custaria nada. Aqui, neste lugar, neste mundo e agora, tenho de alcançar o entendimento, o sossego e o equilíbrio. Tenho de me lançar na realidade repetidamente, tenho de me explicar tudo o que surge no meu caminho, o mundo exterior precisa de receber sustento do meu mundo interior e vice-versa, mas é tudo tão extremamente difícil, e porque é que tenho esta sensação de sufoco por dentro?"


Etty Hillesum, in 'Diário 1941-1943'