quarta-feira, 30 de abril de 2008

O vácuo e o porquê

"(...)
O dia começou tão bem, nítido e claro na minha cabeça, devo escrever sobre isso mais tarde, e depois uma grande depressão; uma pressão no crânio da qual não me consegui livrar, e pensamentos deprimentes, demasiado deprimentes para meu gosto, e por detrás deles o vácuo e o porquê, mas contra isso tambem hei-de lutar.
Como uma melodia, o mundo rola nas mãos de Deus, estas palavras de Verwey não me saíram da cabeça durante todo o dia. Quem me dera ser melodicamente eu a rolar nas mãos de Deus.
(...)"
Etty Hillesum, in 'Diário 1941-1943'

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Tu tens um fado, eu tenho outro


"Eu queria cantar-te um fado
Que toda a gente ao ouvi-lo
Visse que o fado era teu.
Fado estranho e magoado,
Mas que pudesses senti-lo
Tão na alma como eu.
E seria tão diferente
Que ao ouvi-lo toda a gente
Dissesse quem o cantava.
Quem o escreveu não importa
Que eu andei de porta em porta
Para ver se te encontrava.
Eu hei-de pôr nalguns versos
O fado que há nos teus olhos
O fado da tua voz.
Nossos fados são diversos
Tu tens um fado, eu tenho outro
Triste fado temos nós."

A. de Sousa Freitas por Amália Rodrigues, in 'Amália - No Café Luso'

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Juntos de outono, de água, de quadris



"Amor, quantos caminhos até chegar a um beijo, que solidão errante até tua companhia! Seguem os trens sozinhos rodando com a chuva. Em taltal não amanhece ainda a primavera. Mas tu e eu, amor meu, estamos juntos, juntos desde a roupa às raízes, juntos de outono, de água, de quadris, até ser só tu, só eu juntos. Pensar que custou tantas pedras que leva o rio, a desembocadura da água de Boroa, pensar que separados por trens e nações tu e eu tínhamos que simplesmente amar-nos com todos confundidos, com homens e mulheres, com a terra que implanta e educa cravos."

Pablo Neruda

quarta-feira, 23 de abril de 2008

De te amar porque te vi


"Se eu te pudesse dizer
O que nunca te direi
Tu terias que entender
Aquilo que nem eu sei

Olhas para mim às vezes
Como quem sabe quem sou
Depois passam dias meses
Sem que vás por onde vou

(...)
Como nunvens pelo céu
Passam os sonhos por mim
Nenhum dos sonhos é meu
Embora eu os sonhe assim

Não sei que grande tristeza
Me fez só gostar de ti
Quando já tinha a certeza
De te amar porque te vi"


Fernando Pessoa

terça-feira, 22 de abril de 2008

Coisas Pequenas

"Coisas pequenas são
Coisas pequenas
São tudo o que eu te quero dar
e estas palavras são, coisas pequenas
que dizem que eu te quero amar

Amar, amar, amar
só vale a pena
se tu quiseres confirmar
que um grande amor não é, coisa pequena,
que nada é maior que amar

E a hora, que te espreita, é só tua
decerto, não será só a que resta,
a hora que esperei a vida toda
é esta

E a hora, que te espreita, é derradeira
decerto já bateu à tua porta
a hora que esperei a vida inteira
é agora
é agora."

Pedro Ayres Magalhães por Madredeus, in 'O Paraíso'

quinta-feira, 17 de abril de 2008

O que em mim vai

"Sopra demais o vento para eu poder descansar ...
Há no meu pensamento qualquer coisa que vai parar.
Talvez esta coisa da alma que acha real a vida,
Talvez esta coisa calma que me faz a alma vivida ...
Sopra um vento excessivo...
Tenho medo de pensar...
O meu mistério eu avivo se me perco a meditar
Vento que passa e esquece, poeira que se ergue e cai...
Ai de mim se eu pudesse saber o que em mim vai..."

Fernando Pessoa

quarta-feira, 16 de abril de 2008

E se um olhar lhe bastasse


"O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p´ra ela,
Mas não lhe sabe falar.
Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há-de dizer.
Fala: parece que mente...
Cala: parece esquecer...
Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
P´ra saber que a estão a amar!
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!"

por Camané

terça-feira, 15 de abril de 2008

Um pôr-do-sol no pensamento


"Talvez não saibas mas dormes nos meus dedos
aonde fazem ninho as andorinhas
e crescem frutos ruivos e há segredos
das mais pequenas coisas que são minhas.

Talvez tu não conheças mas existe
um bosque de folhagem permanente
aonde não te encontro e fico triste
mas só de te buscar fico contente.

Oh meu amor, quem sabe se tu sabes
sequer se em ti existo ou sou demora,
ou sou como as palavras, essas aves
que cantam o teu nome a toda a hora.

(...)

Talvez não compreendas mas o vento
anda a espalhar em ti os meus recados,
e que há um pôr-do-sol no pensamento
quando os dias são azuis e perfumados.

Oh meu amor, quem sabe se tu sabes
sequer se em ti existo ou sou demora,
ou sou como as palavras, essas aves
que cantam o teu nome a toda a hora."

Joaquim Pessoa por Katia Guerreiro, in 'Tudo ou Nada'

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Da alvorada que há em ti

"Queria conhecer os teus segredos
e penetrar-te assim devassamente.
E ter tua vontade entre os meus dedos
e comandá-la assim seguramente.
Queria dizer - vem - e tu partires
ao meu encontro muito alegremente - 
e dizer-te - não venhas - e não vires
chorando um bem perdido eternamente.
Queria que me desses tão somente 
um pouco da alvorada que há em ti
e a tua coerência incoerente.
Mas se apenas na noite se pressente
esses sinais de um tempo que perdi
que seja noite indefinidamente."
João Mattos e Silva, in 'Intemporal - Antologia'

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Incerteza


"Gostaria de conseguir apagar dos teus olhos a incerteza de ti próprio."
Assunção Castelo Branco, in 'Coisas da Vida'

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Eterna, continuas...


"Ó solidão! À noite, quando, estranho,
Vagueio sem destino, pelas ruas,
O mar todo é de pedra... E continuas.
Todo o vento é poeira... E continuas.
A lua, fria, pesa... E continuas.
Uma hora passa e outra... E continuas.
Nas minhas mãos vazias continuas,
No meu sexo indomável continuas,
Na minha branca insónia continuas,
Paro como quem foge. E continuas.
Chamo por toda a gente. E continuas.
Ninguém me ouve. Ninguém! E continuas.
Invento um verso... E rasgo-o. E continuas.
Eterna, continuas...
Mas sei por fim que sou do teu tamanho!"


Pedro Homem de Mello, in 'Poesias Escolhidas'

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Se querer-te fosse fácil...


"Procurou no bolso os comprimidos para dormir que o deixavam absolutamente inconsciente. Não os tinha tomado durante o vôo porque sabia que eram só duas horas. Mas agora, que estava quase a aterrar, apetecia-lhe desligar o cérebro por um instante que fosse... Ao mexer no bolso reparou que tinha trazido a carta, a carta dela que tinha dado origem a tudo. Releu-a uma vez mais:

"Meu bom Peter, queria tanto escrever bonito para tornar mais fácil tudo o que tenho para te dizer. Há já uns dias que ando para te falar mas falta-me a voz. O melhor mesmo é deixar-me de rodeios e escrever. Já não se usa escrever cartas, pois não? Olha, acabou. Acabou, percebes? Acabou tudo! Não quero mais. Estou cansada de vivermos assim. Quero mais. Quero-te aqui. Ou talvez não te queira aqui e isso provavelmente significa que não te quero de todo. Quero o teu sorriso rasgado e os teus olhos brilhantes mas não quero o teu sarcasmo nem o teu desencanto com a vida. Quero as tuas mãos no meu corpo e os teus lábios no meu pescoço mas não quero as tuas lágrimas durante a noite nem o teu cansaço quando acordas. Ah, se eu soubesse o que quero... Se querer-te fosse fácil... Se, se... E no entanto quero-te. Por isso parto. Vou-me embora. Parto para Lhasa dentro de três dias. Não me sigas por favor. Deixa-me ir e querer-te ao longe. Deixa-me viver na distância o que não consigo partilhar. Deixa-me enlouquecer, esquecendo-te todos os dias um pedaço. Vive! Um beijo. Dos bons.""

Pedro Rapoula, in 'Estórias'

terça-feira, 8 de abril de 2008

I'm just a small step behind you

"In this little town
cars they don't slow down
The lonely people here
They throw lonely stares
Into their lonely hearts
I watch the traffic lights
I drift on Christmas nights
I wanna set it straight
I wanna make it right
But girl you're so far away
Oh, hold still for a moment and I'll find you
I'm so close, I'm just a small step behind you girl
And I could hold you if you just stood still
I jaywalk through this town
I drop leaves on the ground
But lonely people here
Just gaze their eyes on air
And miss the autumn roar
I roam through traffic lights
I fade through Christmas nights
I wanna set it straight
I wanna make it right
But man you're so far away
Oh, I'll hold still for a moment so you'll find me
You're so close, I can feel you all around me boy
I know you're somewhere out there
I know you're somewhere out there
Oh, hold still for a moment and I'll find you
You're so close, I can feel you all around me
And I could hold you if you just stood still
Oh, I'll hold still for a moment so you'll find me
I'm so close, I'm just a small step behind you
I know you're somewhere out there"

David Fonseca (Feat. Rita Redshoes) in 'Our heart will beat as one'

sábado, 5 de abril de 2008

Dói no corpo devagar



"Esta palavra Saudade
Sete letras de ternura
Sete letras de ansiedade
E outras tantas de aventura
Esta palavra saudade
A mais bela e a mais pura
Sete letras de verdade
E outras tantas, de loucura
Sete pedras, sete cardos
Sete facas e punhais
Sete beijos que são dados
Sete pecados mortais
Esta palavra saudade
Dói no corpo devagar
Quando a gente se levanta,
fica na cama a chorar
Esta palavra saudade
Sabe a sumo de limão
Tem um travo de amargura,
Que nasceu no coração
Ai palavra amarga e doce
estrangulada na garganta
Palavra com se fosse
o silêncio, que se canta
Meu cavalo imenso e louco
a galopar na distância
Entre o muito e entre o pouco,
que me afasta da infância
Esta palavra saudade
é a mais prenha de pranto,
como um filho que nascesse
Por termos sofrido tanto
Por termos sofrido tanto
É que a saudade está viva
São sete letras de encanto
Sete letras por enquanto,
Enquanto a gente for viva
Esta palavra saudade
sabe ao gosto das amoras
Cada vez que tu não vens,
cada vez que tu demoras
Ai palavra amarga e doce,
debruçada na idade
Palavra como se fossemos
resto de mocidade
Marcada por sete letras
a ferro e a fogo no tempo
Ai, palavra dos poetas
que a disparam contra o vento
Esta palavra saudade
dói no corpo devagar
Quando a gente se levanta
fica na cama a chorar
Por termos sofrido tanto
É que a saudade está viva
São sete letras de encanto
Sete letras por enquanto,
Enquanto a gente for viva"

J. C. Ary dos Santos, por Marisa Pinto em 'Um País chamado Simone'

quinta-feira, 3 de abril de 2008

MINCAYENI: A case of you


"Just before our love got lost you said
"I am as constant as a northern star"
And I said, "Constant in the darkness
Where's that at?
If you want me I'll be in the bar"

On the back of a cartoon coaster
In the blue TV screen light
I drew a map of Canada
Oh Canada
And I sketched your face on it twice

Oh you are in my blood like holy wine
Oh and you taste so bitter but you taste so sweet
Oh I could drink a case of you
I could drink a case of you darling
Still I'd be on my feet
I'd still be on my feet

Oh I am a lonely painter
I live in a box of paints
I'm frightened by the devil
And I'm drawn to those ones that ain't afraid
I remember that time that you told me, you said
"Love is touching souls"
Surely you touched mine
"Cause part of you pours out of me
In these lines from time to time

Oh you are in my blood like holy wine
And you taste so bitter but you taste so sweet
Oh I could drink a case of you
I could drink a case of you darling
Still I'd be on my feet
I'd still be on my feet

I met a woman
She had a mouth like yours
She knew your life
She knew your devils and your deeds
And she said
"Go to him, stay with him if you can
Oh but be prepared to bleed"
Oh but you are in my blood you're my holy wine
Oh and you taste so bitter but you taste so sweet
I could drink a case of you darling
Still I'd be on my feet
Still I'd be on my feet
I'd still be on my feet

Joni Mitchell by Cristina Branco, in 'Ulisses'

terça-feira, 1 de abril de 2008

I’d like to call you sometime

"What would you do if I kissed you?
What would you do if I held your hand and laid you down?
Would you find me overly unkind to you?
Would you call me insensitive, and say that I deserve to die?
What do I do with all these feelings tearing me up inside?
What do I do with all these wasted hours dreaming of you at night?
I' d like to call you sometime…
What would you do if you knew the truth?
What would you do if I told you the story of my life?
Would you find me overly familiar towards you?
Would you call me crude, fling me aside to the birds?
What do I do with all these feelings holding me back inside?
What do I do with all these wasted hours dreaming of you at night?
I'd like to call you sometime
I'd like you to need me one time
I’d like to call you sometime
What would you do if I kissed you?
What would you do if I held your hand and laid you down?
Would you recognize it’s a need I've been fighting for so long?
Would you recognize it’s a hunger only you can fill?
What do I do with all these feelings warming me up inside?
What do I do with all these glorious hours dreaming of you at night?
I'd like to call you sometime
I'd like you to need me one time
I'd like to have you all the time
I'd like to call you..."

"I'd Like" by Freshlyground, in 'Nomvula'